A Fé Que Domina A Língua


Tornar compreensível o ensino inspirado de Tiago sobre a necessidade de controle da língua humana, para que apliquemos esses ensinamentos em nossa vida.
Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo. (Tg 3:2)

No artigo “A Fé que se Manifesta nas Obras”, Tiago tratou da “fé vã”, a fé sem obras (Tg 2:14-26); agora, passa a tratar da “palavra vã”, a palavra que não contribui para as boas obras. Esta “palavra vã”, obviamente, é a palavra humana, pois a de Deus é perfeita (Sl 19:7; Rm 7:12, 12:2; Tg 1:25). Além disso, só a palavra que sai da boca de Deus tem poder para criar as coisas do nada (Gn 1:2,6,26; Jo 1:1-3; Rm 1:20; Cl 1:16; Ap 4:11), alterar realidades, modificar destinos e transformar vidas (Sl 126:4; Jó 42:10; Rm 6:22; Ef 4:24; I Ts 1:6-8; I Pe 1:23).

Em contraste com a poderosa e maravilhosa palavra que sai da boca de Deus, a palavra que sai da boca dos homens gera destruição e morte; somente santificada pelo Espírito Santo e controlada pela força espiritual que os salvos ganharam de Cristo, a língua humana poderá bendizer a Deus e aos seus homens. É isso que Tiago nos ensinará nesta lição.

I - ENTENDENDO A MENSAGEM

Os doze primeiros versículos do capítulo três da epístola de Tiago têm sido muito mal interpretados por uma boa parcela de cristãos que acredita e prega que as palavras das pessoas têm poder de definir, para o bem ou para o mal, o destino de seus semelhantes. Esses irmãos baseiam-se, fundamentalmente, nos versículos 9-10. Mas será que as pessoas têm poder para abençoar e amaldiçoar os outros com palavras? Será que Tiago está ensinando isso? A resposta é “não”!

Como os estudantes da Bíblica sabem, um texto sempre deve ser interpretado dentro de seu contexto. Sendo assim, partimos do fato de que Tiago inicia o capítulo três, dizendo: Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo (v.1). A quem o escritor está dirigindo sua palavra? Aos mestres! Mas quem são e o que fazem os mestres (didaskaloi)? Nas igrejas cristãs do primeiro século d.C., segundo informa Champlin, tratava-se de indivíduos que se destacavam como mestres, que assumiam autoridade sobre os demais, tal como os rabinos eram os líderes das sinagogas (...). Dos diáconos e anciãos se esperava que pudessem ensinar. Porém, havia mestres, especialmente dotados por Deus para tal mister, que eram guardiões do conhecimento bíblico e religioso, os quais eram inspirados pelo Espírito Santo, para usarem seu conhecimento com o mais elevado conceito. Não eram necessariamente, diretamente inspirados por Deus, como no caso dos apóstolos e profetas; mas ocupavam-se principalmente de transmitir a outro aquele corpo de conhecimento que já estava formado. [1] Neste trecho de sua epístola, Tiago tem como público alvo primordial os mestres, as pessoas que exerciam “um dos três mais proeminentes ministérios na igreja, ao lado dos apóstolos e profetas (I Co 12.28; veja também At 13.1; Rm 12.7; Ef 4.11)” [2]

Os mestres primitivos tinham por obrigação transmitir, com fidelidade, as doutrinas cristãs que haviam recebido: E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros (II Tm 2:2). Moo lembra que esse importantíssimo ministério conferia certa autoridade e certo prestígio, especialmente numa sociedade em que poucos sabiam ler e em que os indivíduos de classes mais inferiores tinham poucas oportunidades de alcançar uma melhor posição.[3] Logo, a função de mestre passou a ser bastante concorrida, e, em razão disso, muitos a abraçavam com motivações erradas. Tiago procura desfazer essa distorção, dizendo: ... não vos torneis, muitos de vós, mestres. Mas, se o ministério de ensino é um dos dons espirituais (Ef 4:11; I Co 12:28), por que Tiago dá a impressão de desestimular as pessoas a esse serviço cristão? Na verdade, ele não desestimula, mas adverte os mestres a não usarem esse maravilhoso dom de forma pecaminosa, pois, se o fizerem, receberão maior juízo.

Mas, por que maior juízo? Porque a ferramenta de trabalho do mestre, a língua, é um instrumento potencialmente perigoso. Um mestre que usa a língua de forma ímpia poderá causar graves prejuízos aos seus ouvintes, uma vez que, persuadidos, colocarão em prática o que aprenderam e poderão até mesmo se perder eternamente. Mas, se a atitude do mestre for oposta, o resultado será altamente recompensador. Há, portanto, duas possibilidades na ação do mestre: contribuir para a edificação ou para a destruição, para a bênção ou para a maldição. Qualquer que seja o caminho a tomar, o mestre, certamente, prestará contas a Deus pelo uso de sua língua, por cada palavra que saiu de sua boca. Por essa razão, o mestre deve medir cada palavra, cada sentença, cada ponderação, cada afirmação, cada negação, enfim, cada conceito que emite, e evitar o uso de recursos baixos da língua, uma vez que, por ser sábio, tem condições de usar os recursos nobres da fala, que engrandecem e edificam os filhos de Deus.

O contexto histórico informa-nos que, no tempo de Tiago, os gregos moralistas, mestres do conhecimento, enfatizavam o uso apropriado da linguagem, das palavras, dos conceitos. O apóstolo entendeu que essa busca pela perfeição no falar dos mestres precisava ser mantida e aperfeiçoada. A razão disso era que todos tropeçamos em muitas coisas (Tg 3:2a). Tiago garante que as pessoas, por serem diferentes umas das outras, diferenciam-se nos erros e nos acertos, nas virtudes e nos pecados, mas a única parte do corpo em que todos se igualam em defeitos é a língua; todos tropeçamos, diz, incluindo-se. Em seguida, porém, ele insta os mestres e, por extensão, todos os salvos a buscarem, durante todo o seu viver terreno, a perfeição no falar, uma vez que Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo (Tg 3:2b). Esse alvo a buscarmos, esse perfeito varão a imitarmos é visto na pessoa de Cristo, o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca (I Pe 2:22).

Para convencer seus leitores, Tiago ilustra seus argumentos sobre a necessidade de controle da língua usando, de início, duas figuras: os freios que se colocam na boca dos cavalos e um grande navio que é guiado pelo leme. Isaltino G. C. Filho garante que estas duas figuras apresentam um ponto comum: o pequeno controla o grande, a parte controla o todo: “Dominar a língua (o pequeno e a parte), é controlar a vida (o grande e o todo). O que acontece a um cavalo sem rédeas? Torna-se um destruidor. O que sucede a um barco sem leme? É destruído. O controle da língua, da mesma forma, evita uma vida destrutiva e auto-destruidora.” [4]

Na figura seguinte, Tiago usa a fagulha que incendeia a floresta: Vejam como uma grande floresta pode ser incendiada por uma pequena chama! A língua é um fogo. Ela é um mundo de maldade, ocupa o seu lugar no nosso corpo e espalha o mal em todo o nosso ser (3:5b-6a - NTLH). As palavras carregadas de maldade, mentiras, calúnias, injustiças, proferidas com mansidão ou intrepidez, podem prejudicar a vida emocional e espiritual de pessoas frágeis, especialmente se estas não estiverem sob a proteção divina; tais palavras humanas, entretanto, poderão causar danos, não porque tenham em si mesmas poder de destruir, mas porque a língua ferina foi posta ela mesma em chamas pelo inferno (Tg 3:6b). Em outras palavras, quem vive proferindo palavras falsas, mentirosas, caluniosas, está sendo influenciado por Satanás, o chefe do inferno, que, pela língua dos ímpios, trabalha para destruir. Esse processo maligno pode acontecer pela insensatez (Pv; 10:8, 12:18, 29:20), pela mentira (Pv 12:19), pela vanglória (Pv 18:12) e pela difamação (Pv 10:18), em cumprimento à missão satânica de roubar, matar e destruir (Jo 10:10). O poder destruidor, portanto, é obra de Satanás e não da língua; mas, ressalve-se: todo o poder do inimigo está sob a soberania do Todo-Poderoso, o nosso Deus; nesse sentido, Tiago entende que controlar a língua é não dar brechas para o diabo.

O apóstolo usa ainda as figuras dos animais e do mal com o mesmo objetivo: que os mestres, e, como conseqüência, todos os cristãos, persistam na árdua missão de domarem a língua (Tg 3:7-8). Tiago, porém, é realista: garante que os animais mais selvagens são domados pelo homem, que é incapaz de domar sua pequena língua. O apóstolo desqualifica a língua humana, chamando-a de má, cheia de veneno mortal, e declara: Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. (Tg 3:9-10a). Sua declaração não faz apologia do “poder da língua” ou do “poder da palavra” falada, mas dos “pecados da língua”, das palavras emitidas inapropriadamente, do tropeçar no que se diz, da contradição, da imperfeição humana.

O apóstolo expõe a incoerência dos seres humanos que usam a língua para o bem e para o mal. Isso é facilmente percebido na vida de mestres cristãos que usam a língua para bendizer a Deus e conduzem seus seguidores a essa conduta; agindo assim, estão “dizendo bem” (sentido correto de “bênção”, neste contexto) ou “ensinando corretamente”, com palavras e ações. Há outros, porém, que usam a língua para maldizer os homens, e, conseqüentemente, a Deus, uma vez que as pessoas são a imagem e a semelhança Dele. Os que assim agem, estão “dizendo mal” (sentido correto de “maldição”, neste contexto) ou “ensinando erradamente” com palavras e ações.

Logo, bendizemos alguém, quando usamos a nossa língua e a nossa vida para conduzir as pessoas a Deus, através de um ensinamento correto do evangelho de Cristo, de quem vêm às bênçãos. Por conseguinte, amaldiçoamos alguém com a nossa língua e a nossa vida, quando fazemos o contrário (cf. At 15:24; II Pe 2:1; I Jo 4:1), e, assim, contribuímos para que recebam o castigo divino, pois é sempre o Soberano Deus quem abençoa e amaldiçoa. Esse dúbio comportamento humano é reproduzido em todos os cristãos. Por essa razão, Tiago declara aos mestres e a todos: Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim (Tg 3:10b).

Sobre essa incoerência, o escritor faz dois questionamentos, usando mais duas figuras: Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce (Tg 3:11-12). Para Tiago, se, numa árvore, não há duplicidade de frutos, no viver do cristão também não pode haver; se, numa fonte, não há duplicidade de água, na vida cristã, muito menos.

II - APLICANDO O CONHECIMENTO EM NOSSA VIDA

Quem tropeça no falar, semeia heresias - Tiago inicia o capítulo três com uma sentença forte: Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo (v.1). Ele estava confrontando pregadores e professores que resistiam à verdade do evangelho, que insistiam em não se aprimorar nas Escrituras Sagradas, que persistiam em alimentar a Igreja com conteúdo trivial, superficial; tornaram-se doutores no falatório, hábeis com a língua, senhores de auditórios, mas sem eficácia na mensagem; enfim, eram mestres sem profundidade bíblica e cuja linguagem corroia como câncer (II Tm 2:17), mas com influência espiritual sobre muitos.

Esse é o perfil de pregadores e professores que “dizem mal”, enquanto ensinam falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição (II Pe 2:1). O que Tiago chama de maior juízo, Pedro chama de repentina destruição.

Para que não soframos esses severos castigos, aprofundemo-nos no conhecimento bíblico, experimentemos as riquezas do conhecimento de Cristo (cf. II Co 4:6; Ef 1:17, 4:13; Fp 1:9, 3:8; Cl 1:9; I Tm 2:4), e, assim, usemos nossa língua para “dizer bem”, quando pregarmos e ensinarmos o evangelho de Cristo. Você é pregador? É professor? Então, use a sua língua para bendizer: Evita, igualmente, os falatórios inúteis e profanos, pois os que deles usam passarão a impiedade ainda maior (II Tm 2:16).

Quem tropeça no falar, destrói amizades - É certo que só a palavra que sai da boca de Deus cria realidades, altera destinos; todavia, palavras humanas iradas e mentirosas contribuem para contendas e inimizades; palavras ousadas e verdadeiras contribuem para grandes resultados em favor da justiça; palavras consoladoras contribuem para tirar pessoas do desespero; palavras inspiradas contribuem para dar rumo aos perdidos; palavras sinceras contribuem para construir amizades robustas. Se a língua é usada pelo poder de Deus, ela é construtiva; se é usada pelo poder de Satanás, é destrutiva.

Impressiona-nos como Tiago vê a realidade da língua humana: Ora, a língua é fogo; é mundo de iniqüidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno. (Tg 3:6)

A língua descontrolada prejudica a personalidade, o bom nome, a dignidade, a honra, enfim, a pessoa como um todo. Os que não controlam a língua provocam discussões, e quem fala mal dos outros separa os maiores amigos (Pv 16:28 – NTLH). Por essa razão, é mais difícil ganhar de novo a amizade de um amigo ofendido do que conquistar uma fortaleza; as discussões [contenciosas] estragam as amizades (Pv 18:19). Por outro lado, aqueles que controlam a língua, são rodeados de amigos verdadeiros, e um verdadeiro amigo é mais chegado que um irmão (Pv 18:24). Quer você ter amigos por perto? Controle a língua! Aprenda a falar de forma mansa, ousada, contundente, consoladora, amorosa, firme, inspirada. Não deixe de falar na hora certa e para a pessoa certa; porém, jamais fale com ira e com mentira.

Quem tropeça no falar, produz angústias - Nas agências de recursos humanos, há pessoas altamente preparadas para ensinar os outros sobre como falar bem. Nessa área, há livros, vídeos, filmes, congressos, enfim, fartos recursos. Tudo isso, sem dúvida, deve ser utilizado pelos servos de Deus. Mas, se, de posse desses aparelhamentos, alguém se achar perfeito no falar, está totalmente equivocado: Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo (Tg 3:2).

Quando se trata de fala, até os melhores tropeçam em muitas coisas. Quando Tiago se refere a esse perfeito varão, que seria capaz de não tropeçar no falar, ele o faz na condicional – Se alguém. Ele não diz que essa pessoa existe entre os mortais; Tiago está falando de um alvo a ser buscado, porque, nesta vida, só Cristo falou com perfeição (I Pe 2:22). Ainda assim, muitas pessoas que o ouviram ficaram angustiadas, ressentidas, iradas (Jo 1:11, 8:57-59, 10:29-31, 15:25).

Portanto, nossa imperfeita fala, ainda que expressa com mansidão, sempre provocará angústia em alguém, ainda que estejamos falando a verdade. Mas isso não nos isenta da responsabilidade de evitarmos tropeços motivados por vingança, ódio, ressentimentos, traduzidos em termos e tons que não condizem com uma língua santificada pelo Espírito Santo, uma vez que a palavra de Deus nos diz: Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem. (Ef 4:29 – cf 5:4). Esse cuidado evitará angústias maiores para quem fala e quem ouve: O que guarda a boca e a língua guarda a sua alma das angústias. (Pv 21:23)

CONCLUSÃO

Só a palavra que sai da boca de Deus cria e altera a vida dos seres humanos. Até mesmo quando usa seu limitado poder por intermédio de línguas ímpias, Satanás age sob o controle do Soberano Deus. Não temamos, portanto, o que as línguas ímpias falam contra nossa pessoa, nossa família, nossa igreja, pois, contra os filhos de Deus, não vale encantamento (Nm 23:23 – cf. Sl 91:10). Além disso, Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós (Mt 5:11).

Deus também nos responsabiliza pelo controle de nossa língua, uma vez que ela é a parte mais descontrolada de nosso corpo corruptível. Devemos, portanto, usar nossa língua de forma santificada, de maneira que possamos sempre bendizer o nosso Deus e Pai e os nossos semelhantes.





Referências Bibliográficas:
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[1] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Volume 6, Milenium Distribuidora Cultural Ltda., 4a Impressão, São Paulo, 1983. p. 52.

[2] MOO J. Douglas. Tiago – Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p.118.

[3]Idem

[4] FILHO, Isaltino Gomes Coelho, Tiago – Nosso Contemporâneo, Rio de janeiro, Juerp, 1990, p. 91.

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Fonte: Texto de autoria do Pr. José Lima de Farias Filho - Estudo sobre a fé baseado na epístola de Tiago - Reproduzido e divulgado no PC@maral

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