A Fé que Rejeita a Auto-Suficiência

Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo. (Tg 4:15)

Por Valdeci Nunes de Oliveira
Como criaturas de Deus, somos todos dependentes Dele; precisamos contar com a sua permissão e ajuda se quisermos ser bem-sucedidos em nossos empreendimentos. O sentimento de auto-suficiência pode levar ao orgulho, à presunção e à soberba, sentimentos igualmente incompatíveis com os princípios do evangelho.
O texto que estamos usando para embasamento deste estudo contém uma importante lição para nossa vida cristã. Em primeiro lugar, ele nos adverte contra o risco que corremos de não podermos realizar nossos planos, porque, como criaturas, esquecemo-nos de que a nossa vontade e o nosso querer estão condicionados à vontade e ao querer do Criador. O certo mesmo é confiar-lhe todos os nossos cuidados e as nossas preocupações, já que, sem ele, todos os nossos esforços nada significam (Sl 127:1-2). Quando planejamos algo e nos esquecemos de pedir sua ajuda e sua permissão, como se Dele não precisássemos, nós o tornamos desnecessário. Portanto, antes de tomar qualquer decisão, precisamos levar em conta que a nossa autodeterminação tem limites estabelecidos pelo Senhor. Se ele quiser, faremos tudo o que planejamos; se ele não quiser, nada será feito.

Analisando a questão por outro ângulo, se levarmos em consideração a fraqueza e a corruptibilidade de nossa natureza, até os nossos valores éticos, morais e espirituais estão sempre aquém das expectativas de Deus. Por isso, se, em algum momento de nossa vida, for necessário exibirmos nossas qualidades ou valores, devemos fazer-lhes referência com muita modéstia, simplicidade e humildade, pois, diante da justiça perfeitíssima de Deus, todas as nossas ações, como bem o disse Isaías, não passam de trapos de imundícia (Is 64:6). À atitude através da qual o indivíduo é levado a exibir, com ar de superioridade, suas qualidades pessoais, suas virtudes, seus méritos, é conhecida, nas Escrituras, pelo nome de “presunção” ou “vanglória” e é de procedência maligna.

I - ENTENDENDO A MENSAGEM

Com o propósito de estabelecer relação entre o título deste artigo e o texto bíblico indicado para o seu embasamento, julgo importante esclarecer, já de início, que este comentário refere-se, em primeiro lugar, às preocupações do ser humano em elaborar projetos, isso envolve as seguinte questões: o que é o projeto, quando darei inicio ao projeto e como transformá-lo em realidade. Em segundo lugar, refere-se à falibilidade dos projetos humanos, principalmente, quando elaborados sem a participação de Deus. O que é “projeto”? É a representação gráfica ou mental do que alguém pretende fazer.

No que diz respeito à elaboração de projetos, nenhum mal existe nessa atitude do ser humano, demonstrada em suas preocupações com o que pretende fazer. Ao contrário disto, não podemos conceber a idéia de uma pessoa que vive o tempo presente sem qualquer preocupação com o seu futuro. Planejar ações futuras é sinal de sabedoria e prudência. Planejar é delinear o caminho a ser percorrido em busca do objetivo estabelecido, no sentido de facilitar as ações daquele que o estabeleceu. Encarar o futuro sem estar certo do que se pretende fazer com ele é como viajar no escuro, sem saber para onde vai. Quem não sabe para onde vai, não chegará a lugar algum. Vejamos os exemplos dados pelo Senhor Jesus Cristo, em Lc 14:28-32: Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde acabar. Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? Doutra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores e pede condições de paz.

Projetar é um dever de todo ser humano. Todas as nossas ações deveriam ser cuidadosamente planejadas. Voltando agora ao texto, pergunto: Que erro há na decisão de uma pessoa de ir à determinada cidade com o objetivo de residir lá por algum tempo, negociar e ganhar nela algum dinheiro? Qual o problema da afirmação: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos e ganharemos? O problema chama-se auto-suficiência. Em seus projetos, a pessoa deixa de considerar que a existência humana é imprevisível e passageira: Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa (Tg 4:14).

Nós, cristãos, que acreditamos na intervenção divina nos negócios humanos, não conseguimos imaginar o sucesso de um empreendimento, se Deus não está nele, ou seja, se Deus não o quer, porque isso não existe. O outro fator, de que depende tudo o que pretendemos fazer, é o que diz respeito à vida, pois, se esta nos for tirada, desaparecerão, também, todas as oportunidades. Portanto, se o Senhor não quiser e se não vivermos, nenhum dos nossos projetos será realizado, por mais bem-elaborado que tenha sido. Isto significa que nosso sucesso, em qualquer sentido, depende de Deus.

Concluímos, por isso, que, ao elaborarmos nossos projetos, precisamos condicioná-lo ao querer de Deus. O texto é claro neste sentido, quando sugere: Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo (Tg 4:15). Esta é, sem dúvida alguma, a melhor forma de elaborarmos projetos: incluindo e solicitando a ajuda de Deus. Deus deve estar presente em todos os nossos empreendimentos. A glória do nosso sucesso deve ser atribuída ao Senhor. Excluí-lo dos nossos planos é considerá-lo desnecessário. E nós sabemos que não é assim que as coisas funcionam (Tg 1:17).

O texto contém a seguinte advertência: Mas agora vos gloriais em vossa presunções: Toda glória tal como esta é maligna. É sempre bom termos em mente que não somos auto-suficientes. Não temos tudo e não podemos tudo. Por isso, devemos agir conforme a recomendação feita pelo salmista Davi: Deleita-te também no Senhor, e ele te concederá o que deseja o teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e ele tudo fará (Sl 37:4-5). O Senhor é a garantia de que os nossos projetos serão realizados; é a ele que devemos confiar todos os nossos cuidados (At 18:21; I Co 4:19).

Disse, anteriormente, que é dever nosso planejar tudo o que pretendemos fazer e que não devemos encarar o futuro sem que tenhamos decidido sobre como utilizá-lo. Disse, também, que não somos auto-suficientes, não temos tudo e não podemos tudo. Até a nossa própria autodeterminação tem limites. Se assim é, precisamos adotar, em relação aos nossos valores, uma atitude modesta e humilde, porque, além de não sermos auto-suficientes, o que temos foi adquirido de alguém.

Por isso, Paulo faz a seguinte observação: E que tens tu que não tenhas recebido? E se o recebeste, porque te glorias, como se não o houveras recebido? (I Co 4:7). Em outra parte, ele diz: Cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros (Fp 2:3-4). Todavia, a despeito disso, muitas pessoas pensam, falam e agem como se possuíssem tudo e não precisassem de nada e de ninguém.

Há um provérbio que diz: Há quem se faça rico, não tendo coisa nenhuma, e quem se faça pobre, tendo grande riqueza (Pv 13:7). O que este texto está nos dizendo, em outras palavras, é que algumas pessoas, mesmo não sendo ricas, agem como se o fossem: são orgulhosas, prepotentes, etc. Isto, contudo, não significa que todas as pessoas ricas se comportem assim. Outras há que, sendo ricas, se comportam com humildade. Neste contexto, tanto a riqueza quanto a pobreza podem ser representadas por valores diversos: sócio-culturais, econômico-financeiros, religiosos (espirituais), e outros valores mais.

O dinheiro, o nível de instrução, a cultura e o zelo religioso são valores que dão destaque à vida de qualquer pessoa, mas não a autorizam a, ignorar, desprezar e humilhar as demais. As aplicações a seguir envolvem três aspectos importantes da vida, em que o sentimento de auto-suficiência pode manifestar-se: a auto-suficiência em bens materiais, cultura e religiosidade.

II - APLICANDO O CONHECIMENTO EM NOSSA VIDA

Quem possui fé genuína, não se torna materialmente auto-suficiente - A auto-suficiência em bens materiais não assegura à pessoa a sua independência de Deus. Tiago condena duramente a postura de muitos crentes da dispersão que viviam apenas em função de lucrar nos seus negócios. Nessa busca por lucros, Deus foi esquecido e descartado. Todos querem, pedem e buscam prosperidade, mas nem todos sabem lidar com ela. Em tempos de prosperidade e estabilidade material, a pessoa, se não se cuidar, corre um sério risco de deixar Deus de lado (Os 12:8 4 13:6). Por isso, Moisés advertiu Israel, ao estar prestes a tomar posse da tão sonhada e desejada terra de Canaã, a não esquecer nem abandonar o Deus que os tinha tirado da escravidão egípcia (Dt 8:10-14, 32:10-15).

A despeito dessas advertências, temos exemplos de pessoas que, mesmo esclarecidas sobre estas coisas, não se comportaram com base nesses ensinamentos. Como o rico insensato, inúmeras pessoas vivem apenas para si mesmas. Tudo o que ganham é guardado e utilizado para satisfazer os próprios apetites (Lc 12:13-21). Tiago reprova os mercadores por deixarem de fazer o bem com o dinheiro deles dizendo: Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando (Tg 4:17). A melhor forma de lidar com a prosperidade consiste em partilhá-la com aqueles que não a têm (Hb 13:16; Rm 12:13; II Co 9:12; Fp 4:18; I Jo 3:16-18) .

Quem possui fé genuína, não se torna culturalmente auto-suficiente - Ao se dispersarem pelo mundo não-judaico, muitos crentes judeus tiveram contato com uma cultura civilizada, sofisticada e diversificada. Com o passar do tempo, muitos se tornaram culturalmente auto-suficientes. O sentimento de auto-suficiência cultural pode levar à indelicadeza e à intolerância. Quantos irmãos, depois de adquirem formação acadêmica, tornam-se prepotentes na igreja. É importante haver, na igreja do Senhor, gente bem-informada, instruída, educada. Toda essa formação acadêmica, contudo, deve ser usada para o progresso do Reino do nosso Senhor Jesus Cristo. Quem dispõe disso deve estar sempre pronto a usá-lo não apenas em proveito próprio, mas, também, em benefício de outras pessoas, sem deixar de ser amoroso e humilde.

Os irmãos da igreja de Corinto, que se achavam senhores do conhecimento (I Co 3:18-20), estavam estragando e destruindo o relacionamento fraternal, por causa da auto-suficiência. Eles se achavam tão religiosa e administrativamente auto-suficientes, a ponto de considerarem desnecessária a intervenção de Paulo nos negócios da igreja (| Co 4:6-8). A estes, o apóstolo escreveu: O saber ensoberbece, mas o amor edifica. Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber (I Co 8:1-2). Todo tipo de conhecimento, quer seja cultural, quer seja bíblico, deve ser usado com sabedoria e moderação (Rm 12:3, 16). Confie no SENHOR de todo o coração e não se apóie na sua própria inteligência (Pv 3:5).

Quem possui fé genuína, não se torna espiritualmente auto-suficiente - Muitos crentes da dispersão se achavam senhores do próprio destino. Eles se bastavam. Eram deuses de si mesmos! Achavam que tinham o controle do futuro, do amanhã. Viviam como se Deus não existisse. Gabavam-se das suas arrogantes pretensões (Tg 4:16b). Com a lembrança da fragilidade e da brevidade da vida (Tg 4:14), Tiago destruiu aquelas arrogantes pretensões (Tg 4:16b), das quais eles se orgulhavam. Uma das coisas que mais caracterizam a espiritualidade auto-suficiente é a arrogância, que leva o indivíduo a considerar-se mais competente, mais qualificado, mais virtuoso e mais santo do que todos os outros; só ele conhece melhor as coisas; só ele faz o que é certo; só ele é justo (Lc 18:9-12; Ap 3:17-19).

Se há uma coisa que Deus abomina e detesta é a arrogância. A soberba e a arrogância aborreço (Pv 8:3). Abominação é para o Senhor todo altivo de coração (PV 16:5). Deus ordena: Nada façais por vanglória (Fp 2:3). E, não multipliqueis palavras de altíssima altivez (I Sm 2:3). Assim como concede graças aos humildes, Deus resiste aos soberbos (I Pe 5:5). Com a mesma intensidade com que odeia a arrogância, Deus ama a humildade (Sl 138:6; Is 57:15). Ainda que o Senhor é Excelso, atenta para o humilde (Sl 138:6), diz a Escritura. Os que vivem em humildade e dependência diante de Deus, terão segurança e orientação: Lembre de Deus em tudo o que fizer, e ele lhe mostrará o caminho certo (Pv 3:6 – NTLH).

CONCLUSÃO

Não podemos viver à parte de Deus. A pessoa orgulhosa, pretensiosa, que vive uma vida alheia a Deus e a sua vontade, é maligna. O maior pecado que alguém pode cometer contra Deus é crer que Deus existe, mas que ele não pode fazer nada por ela. Esta pessoa passa a ser deus. Ela é uma ateísta prática. Se insistirmos nesta atitude de auto-suficiência, estaremos pecando. Temos este desafio: inserir Deus em nosso projeto de vida, para termos uma vida plena. Só assim descobriremos que a vida não se resume a ganhar e gastar dinheiro.

A dependência é o caminho para uma vida sadia. Precisamos, diariamente, lembrar o governo de Deus no mundo e nas nossas vidas e afirmar a nossa mais absoluta dependência Dele. Se Deus quiser, se for este o seu plano, a sua vontade, então, experimentaremos duas bênçãos: Viveremos. Daremos seqüência aos projetos que planejamos com a orientação de Deus. Os nossos projetos podem ser desenhados, sonhados, conversados, todavia, a realização dos mesmos vem de Deus. A confirmação vem da boca de Deus: As pessoas fazem muitos planos, mas quem decide é Deus, o SENHOR (Pv 19:21).

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Fonte: Texto de autoria da Pr. Valdeci Nunes de Oliveira - Estudo sobre a fé baseado na epístola de Tiago - Reproduzido e divulgado no PC@maral

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