É Possível ter Entendimento em um Mundo Repleto de Diferenças?

Cresci em Long Island, em um lar católico de origem irlandesa. Mais tarde, Deus trabalhou no meu coração através de seu Espírito Santo sobre a morte de Jesus na cruz, sacrifício realizado pelo meu pecado e em meu lugar. Quando me arrependi dos meus pecados, confiei que, pela graça mediante a fé, como dizem as Escrituras, foi-me dada uma nova vida em Cristo – e tive a liberdade religiosa para tomar essa decisão sem restrições.

Por Ed Stetzer

Nietszche errou feio! Ao contrário do que o filósofo alemão vaticinou no século 19, Deus não morreu – ele permanece vivo, e atraindo cada vez mais gente. Dos 7 bilhões de seres humanos que habitam o planeta Terra, nada menos que 5 bilhões são devotos confessos de uma das quatro maiores religiões globais – o islamismo, o cristianismo, o budismo e o hinduísmo. E isso, sem falar nos grupos menores, mas igualmente significativos em termos históricos e culturais, como o judaísmo, o sikhismo, o jainismo, o xintoísmo e uma infinidade de outros ritos, primitivos ou não, praticados pelo homem em sua busca incessante pelo sagrado.

De acordo com o Pew Forum, instituto que monitora as relações entre a religião e a sociedade, mais de 90% da população mundial declara crer ou pelo menos admitir a existência de Deus, deuses, espíritos superiores ou entidades místicas com poderes sobrenaturais. Tendências mundiais indicam que o aumento da religiosidade é tanto uma realidade atual quanto tendência futura – na contramão de Friedrich Nietzsche e outros pensadores pós-iluministas que previram o declínio da crença religiosa. O pensamento de seu tempo era de que a religião constituía um problema político-social – contudo, a história já se encarregou de colocar uma pá de cal nessas previsões. E o chavão “Deus está morto” foi substituído por outro: “Deus está de volta”.

Os economistas John Micklethwait e Adrian Wooldridge – um, ateu; o outro, católico romano –, escreveram um livro com este título em 2008 [lançado no Brasil pela Quetzal Editores com o título O regresso de Deus]. Na obra, eles observam que, embora as estatísticas sobre a prática religiosa sejam notoriamente pouco confiáveis, a maioria das pesquisas parece indicar que a tendência global em direção ao secularismo parou – alguns levantamentos até mostram a crença religiosa em ascensão. Eles confirmam uma fonte que diz que o número de pessoas ligadas às quatro maiores religiões da humanidade (cristianismo, islamismo, budismo e hinduísmo) já beira os 75% e pode chegar a oitenta por cento em 2025.

É verdade que, em cada uma dessas crenças, a figura divina assume contornos próprios e a práxis religiosa varia completamente. Ao mesmo tempo, ganha importância a ideia de convivência pacífica e entendimento mútuo em um mundo cada vez mais cheio de religiosos. Episódios recentes como o massacre de Orissa, na Índia – quando, em 2008, radicais hindus eliminaram centenas de cristãos –, e os enfrentamentos entre grupos cristãos e muçulmanos na Nigéria, ano passado, mostram que o caminho a ser percorrido nessa direção é longo e penoso.

Mas representantes dos mais variados credos têm promovido o chamado diálogo ecumênico ou inter-religioso, a fim de descobrir pontos em comum e maneiras de trabalhar conjuntamente para o bem da humanidade – além, claro, de desestimular a violência religiosa. Há cinco anos, participei de um encontro inter-religioso num templo luterano de Chicago, nos Estados Unidos. Com a presença de judeus, muçulmanos, cristãos de várias correntes – católicos, protestantes e ortodoxos – e até de seguidores do rito baha’i, o objetivo do evento foi fomentar a cooperação e a troca de recursos entre todas as comunidades religiosas representadas

Trata-se de uma abordagem muito simpática, mas que não resiste bem à análise teológica mais profunda. O problema é que os protagonistas desse movimento tendem a minimizar ou mesmo ignorar difereças fundamentais entre as religiões. O pressuposto central dos ativistas da cooperação inter-religiosa tem sido o de que, em sua essência, todos os seguidores de uma crença – hindus, budistas, muçulmanos, judeus, cristãos e até os animistas – estão lutando pela mesma coisa, apenas usando palavras e conceitos diferentes para obter algo. O raciocínio é de que, então, todos deveríamos ser capazes de cooperar em torno de crenças comuns para melhorar a sociedade – e que, em um mundo de multiplicidade religiosa, devemos reconhecer que estamos adorando ao mesmo Deus ou deuses e buscando os mesmos objetivos.

SÍNTESE IMPENSÁVEL

Todavia, quão verdadeira é essa suposição? As quatro principais religiões do mundo têm os mais diversos conceitos da figura divina. Os hindus, por exemplo, podem tanto acreditar que existe um Deus, 330 milhões de deuses ou mesmo deus algum, já que a própria alma humana pode ser considerada divina – ideia consubstanciada na saudação hindu namastê, que significa literalmente “o deus que existe em mim saúda o que existe em você”. Já Ven S.Dhammika, autor de vários livros populares sobre o budismo, escreve que os seguidores de Buda não acreditam na figura de Deus. O próprio Sidarta Gautama, que deu início ao conjunto de filosofias que constitui a crença, afirmou que qualquer pessoa, com esforço e disciplina constantes, pode chegar a ser um “buda” (ou iluminado), libertando-se assim do ciclo sucessivo de reencarnações que aperfeiçoam a alma.

Assim, para muitos budistas, o conceito de um ser supremo e pessoal não tem a menor importância e, na pior das hipóteses, não passa de uma opressiva superstição. E sobre o Islã? De acordo com o Corão, “Deus é único, eterno e absoluto. Ele não gera, nem é gerado; e não há outro semelhante a ele”. Os muçulmanos também creem que todos são dependentes de Deus, mas ele é independente de todos. Ele não é pai de ninguém, nem tem nenhum filho. Em contraste, os cristãos acreditam que há um Deus que é criador do mundo. Um ser pessoal, consciente, livre e justo, envolvido com sua criação e que, enquanto um em essência, também se revela em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. E que espera que seus seguidores amem-no com todo seu coração, alma, mente e força, e amem ao próximo como a si mesmos.

Assim, uma síntese entre essas quatro megarreligiões seria imprensável e diria, por exemplo, que Deus pode ou não existir; que é uno com sua criação, mas pode assumir milhões de formas e personalidades diferentes; que é único, mas existe em três pessoas. Se não podemos concordar com tamanhos paradoxos, como dizer que todas as crenças estão no mesmo caminho, em direção à verdade? Tamanhas disparidades não favorecem o diálogo – antes, o proíbem de fato. Ao assumir que todas as religiões ensinam a mesma coisa que buscamos explorar e analisar, como lidar com as nossas diferenças relativas a esse diálogo?

Da mesma forma, qual seria a base para discussões fundamentais, como a responsabilidade de um indivíduo para com o outro, o destino eterno das pessoas com quem partilhamos o planeta, a natureza da verdade ou o sentido da vida? Para começar a falar sobre tais elementos, temos de reconhecer que as respostas oferecidas por cada crença são diferentes. Estamos, na verdade, tentando um inviável diálogo em meio a diferentes visões sobre a vida, o futuro, a eternidade e o caminho para se chegar lá. Por outro lado, precisamos também estar dispostos a conviver com aqueles cujas crenças são diferentes das nossas. Isso significa permitir que adeptos de outras religiões, que inclusive adoram outros deuses, possam viver as suas convicções sem criarmos com eles conflitos constantes – até porque o mundo já viu muita dor e sofrimento quando seguidores de uma fé resolvem usar meios militares ou políticos para impor suas crenças a quem crê de modo diverso.

GENERALIZAÇÃO PERIGOSA

Sendo assim, como religiões que se excluem mutuamente podem coexistir pacificamente? No espírito de diálogo religioso, há quatro compromissos fundamentais que todos os seguidores de qualquer crença poderiam concordar em fazer. Um deles é deixar que cada religião fale por si, sem recorrer a preconceitos na análise da fé alheia. Os muçulmanos acusam os cristãos de adorar a três deuses – Deus Pai; Deus Filho e Deus Espírito Santo – porque não aceitam a concepção de Santíssima Trindade. Mas a ideia de que Deus teria uma relação física com uma mulher e geraria desse modo um filho é ofensiva tanto para os cristãos católicos romanos como o é para os muçulmanos. Mas, em vez de perguntar em quê de fato acreditam os cristãos, muitos muçulmanos se contentam em obter informações com quem nem é cristão, em vez de ir à fonte.

Ora, qualquer pesquisador sério diz que o exame de fontes primárias é vital para estabelecer um estudo sólido. Assim, se alguém quiser compreender o judaísmo, terá de ler o Talmude e visitar sinagogas. O mesmo vale para quem quer aprender sobre o hinduísmo – sera necessário falar com devotos hindus e ler o Ramayana e o Mahabarata , dois antigos textos normativos, escritos em sânscrito. Já para descobrir o que é importante para o Islã, não basta assistir reportagens tendenciosas, produzidas pela mídia conservadora ou liberal. Em vez disso, é mais seguro conviver e ouvir o que têm a dizer os muçulmanos – da mesma forma que, para compreender a mensagem do cristiansimo e a fé dos cristãos, é preciso conhecê-los de perto e ler a Bíblia.

É importante aprender com aqueles que seguem outras religiões. Não devemos ter medo disso; afinal, se cremos de todo coração que encontramos a verdade em Cristo, então uma busca mútua da verdade vai levar as pessoas na direção certa. Outra providência para quem busca a melhor convivência com quem crê de maneira diferente é falar com e sobre pessoas, e não sobre a fé delas. Muitos fatores influenciam o conjunto de crenças de um indivíduo. Saber no que alguém realmente acredita a partir de umas poucas palavras é praticamente impossível. Também nesse campo, as generalizações são arriscadíssimas. Nenhuma abordagem honesta pode começar com palavras como “todos os hindus concordam com isso” ou “todos os muçulamanos pensam desse modo”. Dizer que o mundo islâmico foi responsável pelos atentados do 11 de Setembro equivale a considerer toda a cristandade culpada pelas sangrentas cruzadas da Idade Média – ou, para ficar num exemplo mais recente de ódio étnico-religioso, responsabilizar todos os alemães pelo Holocausto.

Não, não foi a civilização muçulmana que promoveu a tragédia de dez anos atrás, e sim, um punhado de extremistas islâmicos. Da mesma forma, foi um absurdo a ação de turbas violentas de muçulmanos no sul da Ásia e na Nigéria, que no ano passado atacaram cristãos e queimaram suas igrejas e escolas em represália à ameaça do tresloucado pastor americano Terry Jones – aquele que queria queimar exemplares do Corão em praça pública. E isso aconteceu apesar de quase todos os líderes cristãos, em todo o mundo, haverem condenado publicamente a atitude do radical.

Agora mesmo, há um debate popular na Índia sobre o uso dos termos “terrorismo de açafrão” e “terrorismo hindu”. Muitos fiéis hindus estão abismados com as ações de uma pequena minoria que usa o terror para fazer avançar uma agenda política em nome do hinduísmo. Estigmatizar toda uma corrente religiosa a partir das ações criminosas de grupos isolados que se apresentam como seguidores dessa fé é inútil. Crentes, individualmente, não podem ser responsabilizados pelas ações de outros que buscam legitimação nas fileiras de um credo religioso.

“VENENO”

O terceiro ponto é mais delicado, sobretudo para aqueles que não querem se arriscar a comprometer a própria fé numa eventual aproximação: Como podemos respeitar, sinceramente, as crenças de adeptos de outras religiões sem abrir mão de nossos próprios princípios? Naturalmente, a compreensão de valores e crenças alheias não significa aceitá-las. Faz parte da vida em sociedade livre o fato de uns acreditarem que outros estão errados. Mas é inaceitável difamar líderes religiosos, queimar livros que outros consideram sagrados ou confundir apelos de radicais com aquilo que realmente faz parte do núcleo de crenças de uma confissão. Assim, a rede terrorista Al Qaeda, de orientação muçulmana, não expressa o pensamento fundamental do Islã, da mesma forma a Ku Klux Klan, integrada por cristãos, jamais representou as ideias de todos os seguidores de Jesus.

Muitas vezes, as pessoas condenam os excessos de outros grupos apenas para defender as ações dos seus próprios. O silêncio, nesses casos, é não só indesculpável, como, também, orgulhoso e covarde. Em vez disso, devemos ser rápidos em apontar quando os seguidores de nossa própria tradição estão agindo contra seus genuínos ensinamentos. Em um texto recente publicado no jornal americano New York Times, Nicholas D.Kristof escreveu que muitos compatriotas queriam que muçulmanos mais moderados deveriam pedir desculpas ao Ocidente pelos pecados cometidos por “sua religião”. “Venho então”, continua o articulista em seu texto, “pedir desculpas aos muçulmanos pela onda de intolerância que ultimamente tem sido direcionada contra vocês nos Estados Unidos”.

No entender de Kristof, o “veneno” transmitido pela mídia nacional, igualando os seguidores do Islã a terroristas, deveria envergonhar os americanos. E quanto aos excessos de tantos líderes cristãos que, em seus púlpitos, têm difamado a fé islâmica? Quando os cristãos deturpam a fé alheia, todos somos culpados de violar um ensino de Jesus no Evangelho de Mateus: “Façam aos outros aquilo que você gostaria que fizessem a você, pois isto resume a lei e os profetas.”
Sinceros seguidores de qualquer forma de fé concordariam que compartilhar com outros o caminho e as propostas de sua crença não representa opressão a ninguém; mas, de fato, uma ativa demonstração de amor e preocupação.
MENSAGEM VALIOSA

Sinceros seguidores de qualquer forma de fé concordariam que compartilhar com outros o caminho e as propostas de sua crença não representa opressão a ninguém; mas, de fato, uma ativa demonstração de amor e preocupação. As diferentes confissões fazem isso, cada qual a seu modo e em diferentes graus de intensidade. De fato, temos de ir além do absurdo de dizer que cada um pode acreditar no que quiser, desde que não fale a ninguém sobre isso. Respeitar a fé dos outros significa compreender que ser um seguidor de uma crença que oferece esperança para toda a humanidade e mantê-la somente para si mesmo é insustentável.

Mesmo o polêmico Penn Jillette, ilusionista americano famoso por sua defesa do ateísmo, defende a expressão da fé. Recentemente, ao receber uma Bíblia de um espectador, disse que valorizava a preocupação espiritual daquele crente em relação a ele. “Não respeito pessoas que não fazem proselitismo; que acreditam que existe um céu e um inferno e não dizem isso aos outros”, escreveu em seu blog. Isso é verdadeiro, seja para um muçulmano em Manhattan, um hindu na China ou um cristão em Meca – o que nos leva à proposta final: temos de conceder a cada pessoa a liberdade de fazer suas próprioas decisões concernentes à fé e à espiritualidade.

Cresci em Long Island, em um lar católico de origem irlandesa. Mais tarde, Deus trabalhou no meu coração através de seu Espírito Santo sobre a morte de Jesus na cruz, sacrifício realizado pelo meu pecado e em meu lugar. Quando me arrependi dos meus pecados, confiei que, pela graça mediante a fé, como dizem as Escrituras, foi-me dada uma nova vida em Cristo – e tive a liberdade religiosa para tomar essa decisão sem restrições.

Apesar de suas diferenças, todas as religiões têm duas coisas em comum. Em primeiro lugar, qualquer ensino religioso ensina os seguidores a não forçar os outros a seguirem sua própria fé. E, em segundo lugar, muitos de seus seguidores ignoram esse princípio. O Corão, em determinado texto, diz claramente: “Não deve haver coerção na religião: a verdade se destaca claramente do erro”. Em seu livro All about Hinduism [“Tudo sobre o hinduísmo”], Sri Swami Sivananda, conhecido defensor do yoga, escreve: “O hinduísmo é uma religião de liberdade. Ele concede a maior liberdade em matéria de fé e adoração, e permite uma liberdade absoluta para a razão humana e o coração no que diz respeito a questões como a natureza de Deus, a alma, a criação, a forma de culto e o objetivo de vida”.

Por sua vez, o imperador Ashoka, da Índia (273 a.C. – 232 a.C.), ao converter-se ao budismo, fez de tudo para divulger o conjunto de crenças deixadas por Gautama. No entanto, admoestava seus seguidores a não profanar a crença dos outros. Entre os valores essenciais de sua fé, que mandou inscrever num pilar, destava-se este: “Deve-se dar a outros credos a honra condizente a eles.”

Não importa onde vivamos ou qual religião seguimos; não devemos exigir de outros o que não estamos dispostos a conceder a nós mesmos, livres de qualquer discriminação em razão de credo e com toda liberdade de consciência. Sendo fiéis aos fundadores de nossa fé, vamos evitar o tipo de tolerância que nos mantém em silêncio quando acreditamos que temos uma mensagem valiosa para compartilhar – aliás, a mais valiosa, o Evangelho de Cristo. Ao mesmo tempo, que possamos descobrir um novo tipo de tolerância: a tolerância que permite e até incentiva os outros a explorar e responder à Verdade.
Ed Stetzer é vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento de ministérios da LifeWay Christian Resources
Mundo religioso
Dos aproximadamente 7 bilhões de seres humanos, quase 5 bilhões são seguidores de uma das quatro principais correntes religiosas globais:
Cristãos são 2,1 bilhões
1,5 bilhões seguem o Islã
900 milhões são hindus
Os adeptos do budismo são 400 milhões
Em busca do respeito mútuo
Compromissos fundamentais poderiam ser assumidos por seguidores de todas as religiões visando a uma convivência pacífica entre diferentes crenças:
• Deixar que cada religião fale por si
• Conversar com outros sobre os indivíduos, e não sobre os genéricos da fé
• Respeitar a crenças sincera dos adeptos de outras crenças
• Garantir a cada pessoa a liberdade de fazer suas decisões de fé
***

Fonte: Cristianismo Hoje

Nenhum comentário:

Todos os comentários serão moderados. Comentários com conteúdo fora do assunto ou do contexto, não serão publicados, assim como comentários ofensivos ao autor.

Tecnologia do Blogger.