Como Neemias Reorganizou Jerusalém


Depois que o muro foi reconstruído e que eu coloquei as portas no lugar, foram nomeados os porteiros, os cantores e os levitas. (Ne 7:1)

No último artigo sobre o tema “Neemias”, vimos que, mesmo em meio às calúnias, a reconstrução dos muros de Jerusalém chegou ao fim (Ne 6:16). Até o capítulo 6 de Neemias, o foco era a reconstrução dos muros. Todavia, do capítulo 7 em diante, muda-se o foco. A frase “depois que os muros foram reconstruídos” marca essa transição. A partir daqui, o foco do livro passa a ser os cidadãos e uma reconstrução da vida espiritual. Depois que os muros foram reconstruídos, a comunidade precisava ser reorganizada. Jerusalém ficou muito tempo despovoada. Não havia habitantes; a cidade agora tinha muros, mas quase não tinha pessoas residindo nela. Por que construir muros em volta de entulhos? Neste estudo, trataremos das medidas tomadas por Neemias para resolver esse problema.

Uma cidade não é feita só de muros e paredes, mas de pessoas. Os capítulos 7 e 11 de Neemias tratam da reorganização da cidade de Jerusalém. Assim como o capítulo 3, estes dois capítulos podem até parecer bem áridos e sem vida, afinal, como extrair princípios para a nossa vida cristã à luz dessas longas listas de nomes difíceis? Entretanto, não podemos nos esquecer do que diz a carta aos Romanos: ... tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar (15:4). Mesmo nessas listas de nomes, podemos encontrar verdades espirituais. Estes capítulos tratam da reorganização da comunidade de Jerusalém: sua reestruturação e repovoamento. Consideremos estes dois assuntos.

A reestruturação

Depois de conduzir brilhantemente a reconstrução dos muros da cidade, Neemias, também, de forma brilhante, restaura a ordem na cidade de Jerusalém. “As pessoas sabiam o que fazer na construção do muro e depois da construção do muro”. [1] As principais medidas que visavam à reestruturação da comunidade estavam ligadas a duas áreas: a segurança e a liderança. Comecemos tratando das medidas para a proteção da cidade. O versículo 1 do capítulo 7 diz que, uma vez reconstruídos os muros, foram estabelecidos “porteiros”. Eles seriam os vigias, tanto das portas do templo quanto dos portões da cidade. Esses porteiros receberam instruções específicas sobre seu trabalho.

Neemias lhes disse: ... não se abram as portas de Jerusalém até que o sol aqueça e, enquanto os guardas ainda estão ali, que se fechem as portas e se tranquem (v. 3a). “No Oriente, o costume era abrir os portões de uma cidade ao nascer-do-sol e fechá-los ao pôr-do-sol. Ninguém era admitido na cidade antes ou depois destas horas”. [2]

Quando abertos, pela manhã, era comum a entrada de comerciantes, que vinham e montavam suas barracas de venda, além de ser, também, um convite para a entrada de inimigos. Este era um bom horário para os inimigos entrarem, pois a maioria do povo da cidade ainda estaria dormindo e desprevenido. Por essa razão, Neemias tomou algumas medidas para proteger ainda mais o povo, diminuindo o tempo em que os portões ficariam abertos, ou seja, não a partir do “nascer do sol”, mas a partir do momento em que o sol se aquecesse, garantindo, assim, que as pessoas estivessem acordadas e alertas.

De igual modo, Neemias também instituiu guardas para vigiarem a cidade durante a noite (v. 3b), “presumivelmente um grupo colocado em diversos postos espalhados pelo muro e o outro junto às casas para guardar as diversas partes da cidade”. [3] É interessante observar que Neemias continuou com a tática de deixar as pessoas trabalhando perto de suas casas (cf. 3:10, 23, 28-30). Obviamente, por saber que estava perto de casa, o guarda ficava muito mais comprometido com a vigilância. Com os porteiros e com os guardas espalhados nas mais diversas regiões da cidade, dia e noite, Jerusalém estava bem mais protegida de ataques externos. Um sistema de segurança fora estabelecido.

A segunda medida tomada, visando à reestruturação da comunidade, estava ligada à liderança da cidade de Jerusalém. Neemias não era do tipo centralizador, que faz tudo e não quer nomear novos líderes. Ele sabia que a cidade estava reconstruída, precisava de novos líderes e, em razão disso, fez nomeações. Escolheu duas pessoas preparadas para a tarefa. Duas pessoas que dariam conta do recado. Foram elas: Nomeei Hanani, meu irmão, para governar Jerusalém, e com ele Hananias, comandante da fortaleza (v. 2a). É bom sabermos que Neemias não nomeou Hanani simplesmente porque ele era seu irmão.

Foi Hanani quem viajou até a corte de Artaxerxes para avisar Neemias da situação dos judeus, num tempo de oposição contra a reconstrução de Jerusalém (Ed 4:16). Ele era um homem totalmente comprometido com a situação em que se encontrava Jerusalém. Era respeitado; tinha conquistado a confiança do povo. Quanto a Hananias, a razão de sua escolha encontra-se no final do versículo 3: ... era homem fiel e temente a Deus, mais do que a maioria dos homens. Hananias não era o tipo de pessoa que brincava de servir a Deus, mas do tipo de pessoa que o leva a sério. Com uma liderança assim, Jerusalém tinha tudo para avançar.

O repovoamento

A segurança e a liderança da cidade foram instituídas, mas ainda faltavam pessoas para morar em Jerusalém: A cidade era espaçosa e grande, mas havia pouca gente nela, e as casas não estavam edificadas ainda (7:4). Jerusalém precisava ser repovoada.

Alguém pode perguntar: Mas por que Jerusalém fora deixada relativamente desabitada? Precisamos nos lembrar que a cidade não tinha muros e ficara mais de cem anos nessa situação; então, até “que os muros estivessem de pé, nada poderia ser feito. Com ele no chão, Jerusalém não tinha defesa contra atacantes e invasores, e não era local para se fazer um lar (7.4)”. [4] Morar em Jerusalém, sem muros, significava correr perigo.

Ademais, como a cidade estava debilitada e o comércio fragilizado, faltava dinheiro. No interior, as pessoas estariam aparentemente mais seguras e poderiam ser mais prósperas. [5] Por isso, um dos grandes desafios de Neemias, depois da reconstrução dos muros, era trazer as pessoas de volta para Jerusalém. Como ele fez isso? Primeiramente, decidiu fazer um recenseamento (Ne 7:5). Essa decisão não partiu da sua cabeça: Deus a pôs no seu coração. O senso não era só para ver quantas pessoas havia ali, mas quem eram essas pessoas. A cidade precisava ser povoada, mas não a qualquer custo.

A cidade precisava estar habitada por servos de Deus genuínos, isto é, judeus puros. “Por causa disso alguns sacerdotes foram afastados: não puderam provar sua ascendência; certamente seus ancestrais foram casados com gentios”. [6] Para nós, essas medidas podem até parecer exageradas, mas não eram no contexto em que Neemias vivia. Nesta época, as tradições eram extremamente valorizadas e, como líder, ele tinha de defendê-las. Quando decidiu fazer o censo dos judeus, encontrou o registro das famílias dos que foram os primeiros a voltar de Judá (v. 5b), com Zorobabel. O nome destas pessoas está registrado em Neemias 7:6-73. Esse registro veio a ser a base que Neemias usou para determinar a pureza daqueles que iriam morar em Jerusalém.

No capítulo 11 de Neemias, temos registrados os nomes daqueles que repovoaram Jerusalém. Esse capítulo é uma continuação do capítulo 7, e, por isso, ambos não devem ser lidos separadamente. As poucas pessoas que moravam em Jerusalém, mencionadas no capítulo 7, eram os príncipes do povo, segundo o capítulo 11 (v. 1). O restante do povo construiu casas fora de Jerusalém, ocupava-se da vida agrícola, longe dos problemas próprios de toda cidade grande. [7] Por causa dos motivos que já mencionamos, era mais vantajoso viver fora de Jerusalém. Porém, duas coisas fizeram o povo voltar para Jerusalém, segundo o capítulo 11: Em primeiro lugar, eles lançaram sortes para trazer um de dez para que habitasse a santa cidade de Jerusalém; e as nove partes permaneceriam nas outras cidades (v. 1b).

Um homem em cada dez levaria sua família para a capital. O lançar sortes demonstrava, para os judeus, submissão à vontade de Deus (cf. Pv 16:33). Na mente deles, por este método, era o próprio Senhor quem decidiria as famílias que deveriam ir para Jerusalém. Em segundo lugar, o capítulo 11 também diz que houve um grupo que se ofereceu voluntariamente para morar em Jerusalém (v. 2). No primeiro versículo, não temos voluntários: se a sorte caísse sobre determinada família, esta teria que mudar. O termo hebraico traduzido por “voluntariamente” traz a idéia de generosidade interior, disposição. “Em outras palavras, bem no fundo, esses voluntários foram instigados, impelidos por Deus para mudar-se. E foi o que fizeram”. [8] Estes, diz o texto, foram abençoados pelo povo (v. 2).

Na continuação do capítulo 11, dos versículos 3-19, temos a lista daqueles que foram morar em Jerusalém; dos versículos 20-36, daqueles que foram habitar nas cidades de Judá e nas aldeias e povoados do interior. É interessante observarmos que Neemias não organizou apenas a capital Jerusalém, mas toda a nação. Nessas listas, podemos ver o número das pessoas que foram morar nos lugares mencionados, assim como suas ocupações. Novamente, ficamos admirados com a organização de Neemias. Através de sua liderança, a cidade de Jerusalém foi reestruturada e repovoada e a nação fortalecida. As cicatrizes deixadas pela destruição do cativeiro babilônico começavam a ser apagadas. Tudo isso foi possível porque Neemias era um líder com o coração ligado no Altíssimo (7:5).

Aplicando a Palavra de Deus em nossa vida

Devemos reconhecer o valor da história em nossas comunidades.

Os judeus que retornaram do exílio haviam preservado o registro genealógico de suas respectivas famílias. Quando Deus pôs no coração de Neemias o desejo de juntar o povo para registrar as genealogias (Ne 7:5), ele não teve muito trabalho, pois encontrou o registro pronto (Ne 7:6-73). A leitura da longa lista de nomes difíceis pode ser angustiante, mas cada nome tem uma história. “Esses judeus foram os ‘elos vivos’ que ligaram o passado histórico ao futuro profético e tornaram possível a vinda de Jesus Cristo ao mundo”. [9] A igreja de hoje reconhece a importância de preservar a sua história? Não podemos viver a lastimável experiência de ser um povo sem raízes. A razão de não sabermos quem somos, em muito, está ligada ao fato de não sabermos de onde viemos. Temos uma memória, temos raízes! Um povo que conhece sua história é um povo forte.

Devemos desejar líderes exemplares em nossas comunidades.

Quando foi nomear pessoas para assumir a liderança em Jerusalém, Neemias não escolheu qualquer um: escolheu pessoas fiéis e tementes a Deus (Ne 7:3). E é assim que deve ser. Paulo, escrevendo a Timóteo, disse: E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros (2 Tm 2:2). O bastão da liderança deve ser passado, mas não a qualquer um. Em nossas comunidades, desejemos líderes exemplares. Infelizmente, vivemos num país em que a corrupção de alguns dos nossos líderes chegou a níveis intoleráveis. Aqueles que deveriam ser exemplo para a nação a envergonham; aqueles que deveriam defendê-la a pisoteiam. Não podemos aceitar que isso aconteça no meio dos filhos de Deus! Oremos por nossos líderes!

Devemos orar por pessoas dispostas em nossas comunidades.

Se há algo que chama bastante atenção no capítulo 11 de Neemias é o número de pessoas dispostas a trabalhar nas mais diferentes frentes: havia 822 pessoas que faziam o serviço no templo (v. 12); os cabeças dos levitas presidiam o serviço fora da Casa de Deus (v. 16); todos os levitas na santa cidade foram duzentos e oitenta e quatro (v. 19); havia um que estava à disposição do rei, em todos os negócios do povo (v. 24) e um que dirigia os louvores nas orações (v. 17). Como é bom poder contar com pessoas dispostas em nossas comunidades para servir nas mais diferentes funções ou ministérios, gente que trabalha em favor do povo, que não busca apenas os seus próprios interesses, mas que tem alegria em servir o próximo! Geralmente, na igreja, 20% das pessoas servem e 80% são servidas. Oremos para que Deus desperte pessoas em nossas comunidades.

Concluindo

Estudar os capítulos 7 e 11 do livro de Neemias nos dá uma dimensão ainda maior da missão desse servo de Deus. Ele não coordenou apenas a reconstrução dos muros da cidade de Jerusalém, como geralmente lembramos. Nesses capítulos, observamos a habilidade de Neemias, sob a direção de Deus, para reorganizar a cidade de Jerusalém. Ele institui a liderança e a segurança na cidade, além de tomar providências para seu repovoamento. Lembramos que podemos aprender alguns princípios para que as nossas comunidades sejam fortes, também. Reconheçamos o valor da história, desejemos líderes exemplares e oremos para que Deus levante pessoas dispostas ao trabalho.


Bibliografia

1. LOPES, Hernandes Dias. Neemias: O líder que restaurou uma nação. São Paulo: Hagnos, 2006. pág. 122
2. CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 3. São Paulo: Candeia, 2000. pág. 1796
3. PFEIFFER, Charles F. (Ed.). Comentário Bíblico Moody. Vl. 2. São Paulo: IBR, 1988. pág. 295
4. PACKER, I. J. Neemias: paixão pela fidelidade – sabedoria extraída do livro de Neemias. Rio de Janeiro: CPAD, 2010. pág. 78
5. LOPES, Hernandes Dias. Neemias: O líder que restaurou uma nação. São Paulo: Hagnos, 2006. pág. 179
6. GRETZ, J. R. O prefeito de Jerusalém: Segredos de Neemias para os líderes de hoje. Florianópolis: GB Comunicação, 1997. pág. 112
7. CHAMPLIN, Russell Norman. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 3. São Paulo: Candeia, 2000. pág. 1808
8. SWINDOLL, Charles R. Liderança em tempos de crise: como Neemias motivou seu povo para alcançar uma visão. São Paulo: Mundo Cristão, 2004. pág. 164
9. WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Antigo Testamento. Vol. 2. Santo André: Geográfica: 2008. pág. 652

Fonte:
DEC - Paulo Cesar Amaral

4 comentários:

  1. Parabéns. Um estudo muito bem fundamentado e rico em detalhes e comentários. Foi válido ler todo o estudo. Graças a Deus que nos capacita a desenvolver estudos da Palavra como o em questão.
    MMarthias

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    1. Amém! Glórias a Deus!

      É muito bom saber que um estudo publicado aqui em nosso blog levou edificação a você querido leitor.

      Marthias que Deus te abençoe, e obrigado por compartilhar conosco a sua alegria.

      Fica na Paz do Senhor Jesus!

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  2. Muito de Deus este estudo acabamos de passar por uma situação muito dificil na igreja em q congrego e agora estamos neste mesmo processo se reedificação e restauração mesmo parece q Deus nos deu a planta de como trabalhar e agir neste momento fica na paz de Cristo!!!.

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  3. Excelente este texto. Ele faz parte de uma série de lições bíblicas estudadas pela Igreja Adventista da Promessa em 2012. O texto está na íntegra

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