Precisamos, como Cristo, aceitar e servir uns aos outros


Em busca de uma conduta cristã mais correta, alguns irmãos criam regras extra-bíblicas para seguir e, infelizmente, passam a desprezar seus próprios companheiros de fé, considerando-se melhores ou mesmo julgando que os padrões daqueles sejam menos criteriosos que os seus. Os outros, por sua vez, julgam estes irmãos como legalistas ou radicais. Não há nada mais prejudicial à união do corpo de Cristo que este tipo de divisão interna, marcada por julgamentos e por uma falsa espiritualidade. Neste estudo abordaremos a importância da aceitação entre os irmãos a despeito de suas diferenças.

Para entendermos a razão de Paulo insistir com os irmãos que aceitassem uns aos outros, precisamos verificar o contexto em que tal orientação se encontra. Este assunto começou no capítulo 14, e, quando lemos o texto, vemos que os irmãos da igreja de Roma vinham discordando entre si por questões secundárias, ou seja, não referentes aos mandamentos. Ao longo do capítulo, Paulo procura exortar aos irmãos a que não criticassem ou julgassem seus companheiros na fé e conclui o ensinamento no texto destacado acima de Romanos 15, versículo 7. Veremos, então, a explicação para tal conselho do apóstolo.

Aceitar as diferenças. Este é o procedimento adequado: O texto básico diz: ... acolhei-vos uns aos outros. A palavra grega traduzida pelos verbos acolher, receber ou aceitar é proslambano e significa tomar como companheiro, receber em casa, conceder acesso ao coração, acolher em amizade. O acolhimento que Paulo ensina visa à unidade da igreja e à aceitação entre membros. Numa mesma comunidade cristã, sempre haverá diferenças entre os irmãos; entretanto, estas não devem ser relacionadas a doutrinas, ou seja, aquilo que Deus deixou claro como padrão. As diferenças normalmente estão relacionadas a tradições ou preferências pessoais. Este era o problema da igreja de Roma.

Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus. (Rm 15:7)

A igreja era composta por judeus e gentios convertidos a Jesus. Os judeus, os quais Paulo chama de fracos na fé, não compravam carne, porque seguidores de outras religiões ofereciam-nas aos seus ídolos e, depois, colocavam-nas à venda. Sendo assim, só se alimentavam de vegetais, pois criam que, se ingerissem carne consagrada, fariam participação na idolatria. Ainda queriam impor aos gentios a participação nas festas, feriados e jejuns. E os gentios, que são chamados de fortes na fé, sabiam que não havia problema em comer as carnes de animais limpos oferecidas, pois o ídolo em si não é nada. Isso não significa que os cristãos gentios iam ao templo pagão participar da mesa deles e comprar carnes. O fato é que, no mercado da cidade, a carne comercializada era oferecida aos ídolos primeiro, pois os comerciantes eram idólatras. Sobre as datas da tradição judaica, compreendiam que, com a morte de Cristo, estas perderam seu significado na cruz. A discussão não tem relação com a abstinência de carnes imundas de Levítico 11, nem com o sábado.

Havia desprezo de ambos os grupos devido à intolerância com os graus de maturidade espiritual. Paulo ensina que essas questões secundárias não deveriam ser motivo de brigas e julgamentos, mas insiste em que a falta de tolerância é considerada pecado, diante de Deus, pois ameaça a unidade. O ideal é que pessoas maduras na fé suportem as imaturas, compreendendo suas limitações e encorajando-as ao crescimento. As imaturas não devem julgar as maduras pelo seu procedimento. O conhecimento do forte leva à aceitação e não ao desprezo. [1] A responsabilidade é de ambas as partes, pois devem visar à união do corpo de Cristo. O verdadeiro amor implica aceitação. Quem aceita, preserva a comunhão. Assim como havia diferentes grupos entre os cristãos de Roma, hoje temos também, em nossas igrejas, grupos distintos, tais como: os jovens, os mais velhos, os mais tradicionais, os que gostam de orar mais etc. Isso pode gerar conflitos, diferença de opiniões e choque de preferências. A aceitação é a solução correta apontada pela Bíblia.

O padrão a ser seguido é Jesus Cristo, Ele é o modelo excelente: Precisamos ter em vista o modelo de aceitação, que é Jesus. A sequência do texto diz: ... como também Cristo nos acolheu. O motivo para aceitarmos o outro é que fomos aceitos primeiramente por Jesus. A palavra também indica que a aceitação deve ser feita justamente como Jesus fez. O livro de Romanos esclarece que todos são iguais, diante de Deus (Rm 10:12), e que Jesus doou a sua vida por todos, indistintamente, trazendo benefícios aos que o aceitam. Veio à terra prestar serviço; tomou o nosso lugar (Is 53:4-7; Jo 10:15); pagou o preço pelo pecado (Rm 6:23a); tornou-nos justos perante Deus (Rm 3:24-28); aceitou-nos em sua família, e nos conferiu a possibilidade de vida eterna (Rm 6:23b). Cristo não impôs condições para aceitar qualquer pessoa (Rm 5:6); não acolhe ninguém baseado em etnia, status, classe social ou sexo. Ele aceita incondicionalmente (Ef 2:8-9). [2] Não apenas nos tolerou, mas, pela graça, nos aceitou como somos; contudo, recusa-se a deixar-nos como estamos. Quando compreendemos isso, não podemos mais nos avaliar como melhores que nossos irmãos. Todos éramos pecadores; não tínhamos vantagens sobre outros irmãos. Se tivermos mais maturidade espiritual, isso irá nos conferir responsabilidade e não direitos. Precisamos, como Cristo, aceitar e servir uns aos outros (Fp 2:5-8).

Quando há lealdade a Cristo, nenhum outro padrão além da Bíblia é necessário. Quanto mais concordamos com Jesus, mais concordamos uns com os outros. Ele é o foco da nossa unidade. [3] Mesmo assim, haverá diferenças na igreja por questões de preferências que não ferem a doutrina, pois ter a mesma fé não significa que a igreja seja unânime em todos os detalhes. Neste caso, lembremos-nos do conselho de Paulo: ...aceitem uns aos outros (NTLH). Cada membro do corpo de Cristo tem sua importância (Rm 12:3-8). Nenhum deve ser tratado com menosprezo, mas com amor, respeito e tolerância. Não deve haver dissensões, favoritismos e julgamentos.

Tudo para a Glória de Deus, esta é a motivação correta: O texto se encerra desta forma: ... para a glória de Deus. A motivação que Paulo dá aos cristãos é a glorificação do único que merece tal honra e exaltação. A glória sempre será exclusiva de Deus. Portanto a busca da aceitação entre irmãos, e, consequentemente, a união da igreja nunca será para a exaltação pessoal de qualquer membro, mas somente de Deus. O mérito nunca é humano, mas divino. Todas as ações na igreja devem visar à glória de Deus, porque, se há outra intenção além desta, a motivação está errada e deve ser reavaliada.

Quando os irmãos se preocupam simplesmente com servir ao Senhor, passam a não se importar com questões não essenciais ao reino de Deus. [4] Se todos se ocupam da obra do Senhor, estarão dispostos a fazer juntos um bom trabalho para glorificar a Deus. Não haverá tempo para criticar as condutas dos irmãos, nem para questionar suas preferências. Os irmãos devem ser pacientes e amorosos com aqueles que estão em processo de crescimento espiritual. Aceitar implica buscar primeiramente os interesses do outro (Rm 15:1-2). As lutas travadas na igreja são contrárias ao modelo de aceitação e em nenhum aspecto glorificam a Deus; ao contrário, desagradam-no.

O que agrada a Deus é o culto que provém de corações unidos em amor (1 Jo 3:16, 18) e compaixão (Rm 12:15). [5] Um versículo antes do texto de Rm 15:7 usa a palavra concordemente, para referir-se ao modelo que glorifica a Deus. Essa palavra é a tradução de homothumadon (gr.), que nos ensina como deve ser a comunhão cristã que agrada a Deus. É um vocábulo composto pelas palavras impedir e em uníssono, que dão a ideia de um conjunto de notas diferentes que se harmonizam. Da mesma forma, a igreja, como vários instrumentos de uma só orquestra harmônica, é conduzida pelo Espírito Santo, de modo que pessoas diferentes se harmonizem. [6] Na igreja de Cristo, não deve haver lugar para racismo, preconceito ou discriminação. O povo de Deus é a união de diferentes. É uma unidade na diversidade (cf. 1 Co 12:12).

A igreja unida louva a Deus, dando bom testemunho, e os de fora enxergam isso. A ideia que Romanos 15:7 traz é que a aceitação deve ser prioridade na igreja de Cristo. Nenhum mandamento bíblico incentiva qualquer comportamento diferente deste. O que promove divisão é a natureza carnal e egocêntrica do homem. Jesus nunca incentivou brigas por tradições ou preferências; ao contrário, incentivou-nos a aceitar cada pessoa, tendo em vista que todos estão em processo de crescimento espiritual. O ideal de Deus para seu povo é a unidade, que não pode existir, sem, antes, haver aceitação. Afinal, que ações nos auxiliam a aceitar os outros?

Aplicando a Palavra de Deus em nossa vida

Para podermos aceitar o outro como ele é, precisamos reconhecer quem somos:

Aprendemos que Jesus morreu por todos. Logo, não há pessoas melhores que outras. Todos eram maus (Rm 3:10,23). Sendo assim, devemos identificar nossas fraquezas ao invés de olhar somente para as dos outros. Lembre-se de que a natureza carnal é egocêntrica, ou seja, busca somente seus interesses, quer estar em evidência e fazer sobressair suas opiniões. Essa natureza não visa à aceitação dos irmãos; ao contrário, aponta-lhes os erros. Como cristãos em processo de amadurecimento espiritual, precisamos olhar mais nossas falhas e nos corrigir, pois, assim, olharemos com mais compaixão para os outros e aceitaremos as suas dificuldades (Ef 4:32).

Não julgue nem despreze ninguém:

O problema da igreja de Roma não era heresia, mas tradições enraizadas no coração de alguns. Ali, os cristãos estavam se desentendendo por causa de opiniões pessoais e de questões periféricas. Com isso, julgavam e menosprezavam uns aos outros. Será que as coisas estão diferentes, em nossos dias? É lamentável, mas, ainda hoje, irmãos em Cristo brigam e se magoam com discussões sem sentido. Discutem por preferências musicais, por causa de opiniões pessoais deste ou daquele assunto, ou porque gostam mais deste ou daquele estilo de culto. E igrejas se dividem por essas razões. Querido estudante, se o seu irmão está falhando em algo crucial da fé cristã ou está desobedecendo a um dos mandamentos de Deus, exorte-o, como nos ensina a Bíblia. Contudo, por causa de opiniões pessoais e de questões periféricas, não julgue, nem despreze ninguém (Rm 2:1). Se, para você, o irmão está errado, que Deus o julgue. Não o receba como inferior a você; não brigue com ele, mas tenha paciência. Ore por ele e o aceite.

O objetivo principal é a edificação do Corpo de Cristo:

Precisamos ter em vista que Deus nos confere maturidade espiritual para ajudar os outros irmãos. Não podemos viver de maneira egoísta, mas humilde e altruísta. [7] Devemos colocar os interesses do outro em primeiro lugar, como fez Jesus (Fp 2:5-11), e tomar cuidado com o favoritismo, pois é fácil aceitar alguém pelo que tem. Mas o que Deus quer é que aceitemos os que são diferentes de nós. Além disso, temos que dar suporte aos mais fracos na fé, a fim de que sejam edificados (Rm 15:2). Lembremos que, quando abrimos mão de algo que sabemos que não é errado para não ferir o outro, agradamos a Deus, pois nossa intenção é não fazer ninguém tropeçar.

Conclusão

Todas as pessoas devem ser aceitas no corpo de Cristo, porque Deus amou a todas. Infelizmente, algumas igrejas travam batalhas por questões secundárias, que não afetam a santificação. Famílias brigam; grupos distintos se desentendem. Isso macula a comunhão da igreja e dá mau testemunho para os não crentes. Como aprendemos, temos de deixar as diferenças que não se referem a pecados de lado para que exista unidade. Isso é possível por meio da aceitação. Devemos aceitar os irmãos assim como Jesus nos aceitou para, juntos, glorificarmos a Deus. Isso é mandamento.


Bibliografia:

1. LOPES, H. D. Romanos: o evangelho segundo Paulo. São Paulo: Hagnos, 2010. Pág. 458
2. GETZ, Gene A. Um por todos, todos por um. Brasília: Palavra, 2006. Pág. 61
3. STOTT, John R. W. A mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2000. Pág. 449
4. WIERSBE, W. W. Comentário bíblico expositivo. Novo testamento, vol. 1. Santo André: Geográfica, 2006. Pág. 730
5. LOPES, H. D. Romanos: o evangelho segundo Paulo. São Paulo: Hagnos, 2010. Pág. 460
6. Biblioteca digital da Bíblia: Sistema de biblioteca digital Libronix. (2005).
7. LOPES, H. D. Romanos: o evangelho segundo Paulo. São Paulo: Hagnos, 2010. Pág. 459


Fonte:
DEC
Paulo Cesar Amaral

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