O argumento do amor

A medida do nosso amor por Deus é a medida da nossa obediência a ele.



Por Ricardo Barbosa em Revista Ultimato

O amor, cremos, é a razão por trás de tudo. Francis Schaeffer afirmou que o amor “é a apologética final, o argumento irresistível”. Jesus disse que amar a Deus e ao próximo como a nós mesmos é o maior de todos os mandamentos e o resumo de toda a lei e dos profetas. Diante da força do amor, tudo o mais fica relativo.

O cristianismo afirma que Deus é amor. Afirma que Deus nos ama incondicionalmente, que nos perdoa de todas as nossas iniquidades, nos conhece e nos aceita como somos. A prova deste amor é sua entrega final por nós na cruz. Aprendemos também que o amor deve ser nossa motivação – “se não tiver amor, nada serei”. Porém, será que a linguagem bíblica do amor é a mesma que usamos para descrevê-lo em nossa experiência humana e cristã? Suspeito que não.

O conceito de amor que temos é platônico e autocentrado. Para nós, amor é aquilo que sentimos em relação ao outro. Entretanto, no final, diz respeito a mim, ao que eu sinto, e não ao outro. O amor de Deus revelado em Cristo é exatamente o oposto, é sua autoentrega por nós. Não diz respeito ao que ele sente por nós, mas ao que ele fez por nós.

Embora eu reconheça a força do argumento do amor, reconheço também as inconsistências dele, particularmente, quando faço uso dele para me justificar. Certa vez, me encontrei, por acaso, com uma pessoa que durante anos frequentou uma igreja, mas que por motivos diversos resolveu afastar-se. Ela estava assim por vários anos. No meio da conversa, ela me disse que, embora não frequentasse nenhuma igreja e não achasse isso necessário, seu amor por Deus não havia mudado, ela continuava amando-o “de paixão” – foi a expressão que usou. O argumento era forte. Quem poderia questionar o amor (paixão) dela por Deus? Perguntei a ela: “Por acaso, Deus sente-se amado por você?”. A resposta foi tão lacônica quanto o argumento: “Não sei” – disse ela.

Eu não duvido do amor de Deus por mim, mesmo sem compreendê-lo muito bem e mesmo sabendo que não o mereço, mas sempre duvidei do meu amor por ele. Prefiro não usar o amor como argumento, pelo menos, não a meu favor. O amor é o argumento de Deus, o amante fiel, nunca o nosso, a amante infiel. É assim que o Antigo Testamento descreve a relação de Deus com seu povo.

Porém, quando inverto os polos e procuro compreender o amor divino a partir da percepção limitada que tenho do amor, corro o risco de torná-lo pequeno e ridículo. C. S. Lewis ironicamente descreve o que, no fundo, desejamos de Deus: “O que realmente nos satisfaria seria um Deus que dissesse a respeito de qualquer coisa que gostássemos de fazer: ‘Que importa se isso os deixa contentes?’. Queremos, na verdade, não tanto um Pai Celestial, mas um avô celestial – uma benevolência senil que, como dizem, ‘gostasse de ver os jovens se divertindo’ e cujo plano para o universo fosse simplesmente que se pudesse afirmar no fim de cada dia: ‘Todos aproveitaram muito’. Não são muitos os que, devo admitir, iriam formular uma teologia exatamente nesses termos”.

O amor que Jesus espera de nós é, em sua natureza, o mesmo revelado por ele. Na linguagem cristã do amor, o verbo amar e o verbo obedecer estão sempre juntos. Jesus, sendo Deus, fez-se homem, sendo homem, fez-se servo e foi obediente até a morte. Fez isso porque ama. Não existe outra forma de definir a natureza do amor divino.

Jesus disse: “Se vocês me amam, obedecerão os meus mandamentos”. Não acho que a sentença propõe uma relação de causa e efeito. Primeiro amo e, como consequência, obedeço. A sentença simplesmente define a forma do relacionamento: se amo, obedeço. Simples assim. É possível obedecer sem amar, mas jamais amar sem obedecer. A medida do nosso amor por Deus é a medida da nossa obediência a ele.

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