Autenticidade é mais importante que santidade?


Nos últimos anos, o cristianismo evangélico tem feito de sua imperfeição um ponto de ênfase. Foram publicados livros com títulos como Espiritualidade confusa: o constante amor de Deus por pessoas imperfeitas, Morte por ir à igreja, e Jesus quer salvar cristãos. Surgiram igrejas com nomes como Escória da Terra e Quintal Selvagem. Evangélicos produziram filmes como Senhor, salve-nos de seus seguidores, escreveram artigos com títulos como Cristãos sujos, amarrotados e confusos e criaram sites como anchoredmess.com [bagunça ancorada], modernreject.com [rejeito moderno], churchmarketingsucks.com [odeio marketing de igreja], recoveringevangelical.com [evangélico em recuperação] e wrecked.org [um desastre] – um site que inclui categorias como “Uma grande bagunça”, “Chafurdando”, “Meu coração arruinado” e “Meu desastre”.

Enquanto isso, sites de humor satíricos como Coisas que os Cristãos Gostam e Coisas que a Cultura Cristã Gosta se tornaram repositórios famosos das imperfeições do cristianismo, e autores como Anne Lamott e Donald Miller se tornaram bem-sucedidos expositores “não-religiosos” da espiritualidade bagunçada.

O evangelicalismo – tanto no nível individual quanto no institucional – está tentando se livrar do verniz polido que cheirava a hipocrisia. Mas ao focarem na ruína como prova de nossa “realidade” e “autenticidade”, será que os evangélicos não transformaram “estar uma bagunça” em um distintivo de honra, uma espécie de autojustificação por obras? Será que a autenticidade se tornou um chamado mais santo que, bem, a própria santidade?

Como chegamos aqui?

Erik Thoennes, professor de estudos teológicos e bíblicos na Universidade de Biola, vê a tendência da autenticidade em seus alunos de graduação. No começo de cada matéria, ele pede que seus alunos escrevam duas coisas que amam e duas que odeiam. Uma constante que eles sempre dizem que odeiam é “pessoas falsas”. Mas a vida cristã envolve uma grande quantidade de “fingimento” no caminho para a integridade, diz Thoennes.

“Existe essa ideia de que viver fora de conformidade com o que eu sinto é hipocrisia, mas isso é uma definição errada de hipocrisia”, diz Thoennes. “Viver fora de conformidade com o que eu creio é hipocrisia. Viver em conformidade com o que eu creio, apesar do que eu sinto, não é hipocrisia; é integridade”.

Thoennes almeja que seus alunos entendam que santificação envolve viver de uma forma que muitas vezes conflita com o que parece ser autêntico. Ainda assim, ele entende o porquê de os cristãos mais jovens terem tanta aversão à falsidade. Eles cresceram em uma cultura evangélica que produziu mais do que apenas alguns casos notáveis de líderes caídos e hipocrisia de alto-escalão. O cinismo dessa geração é reflexo de uma cultura eclesiástica que muitas vezes escondeu suas imperfeições sob uma fachada de legalismo e autojustificação.

Tudo isso contribuiu, no início dos anos 2000, para um crescimento desmedido da autenticidade no evangelicalismo. O reconhecimento dos chamados bíblicos à confissão (Tiago 5.17) e à “caminhar na luz” (1 João 1.5-10) não sumiram do protestantismo; apenas se tornaram cada vez mais adaptados à linguagem de ser real, aberto, transparente e autêntico no meio da comunidade.

Um exemplo típico dos muitos artigos escritos sobre o assunto é “Lutando por Autenticidade”, de Josh Riebeck para a revista Relevant, em 2007, que anunciava que “uma comunidade autêntica, uma fé autêntica e um Jesus autêntico são os clamores da nova geração”.

“Não queremos mais sermos enganados. Não queremos mais sermos ingênuos”, escreveu Riebeck. “Queremos as falhas. Queremos as imperfeições. Queremos a realidade”.

Mas por que “a realidade” precisa ser sinônimo de imperfeito e falho? Quando alguém se abre a respeito de suas bagunças e confusões, nós pensamos “você está sendo real”, e conseguimos nos relacionar. Mas e o pastor que serviu fielmente por décadas sem qualquer escândalo, amou sua esposa e sua família e personificou o fruto do espírito? Ele é menos real?

Quando “autêntico” na verdade é falso

Muitas vezes, o que se passa por autenticidade no cristianismo evangélico é uma falsa-abertura segura que estabelece um ambiente onde a vulnerabilidade é abraçada, mas apenas até um certo ponto.

Becky Trejo, uma fotógrada de 20 e poucos anos de Los Angeles, que frequenta a congregação da igreja Mars Hill em Orange County com seu marido, Neph, observou essa tendência em alguns dos pequenos grupos que visitou.

“Há esse ‘ponto ótimo’ da autenticidade”, diz Trejo. “Tipo, se você revela que luta contra a fofoca, as pessoas pensam, tipo, ‘ok, grande coisa’. Mas há também alguns pecados que se você compartilhar, vai chegar no ‘pera aí, isso é demais’. É preciso encontrar esse ponto de equilíbrio, tipo ‘estou lutando contra querer dormir com meu namorado’. Esse é o ponto ótimo onde as pessoas te veem como realmente vulnerável e autêntico, e é meio que um requisito obrigatório para ser aceito”.

Nessa dinâmica nós muitas vezes recompensamos aqueles que são mais eloquentes sobre suas lutas autênticas no “ponto máximo”, sem dar o mesmo peso para os pecados “pequenos demais” ou sem criar um espaço seguro o suficiente para os pecados mais embaraçosos ou as lutas mais escusas.

Essa dinâmica é reflexo de outro problema: nosso entendimento torto do pecado. É quase como se nossos pecados tivessem se tornado uma moeda de troca de solidariedade – algo pela qual damos tapinhas nas costas uns dos nossos outros companheiros autênticos e bagunçados. “Mas o pecado deveria ser sempre motivo para arrependimento, não celebração”, diz Thoennes.

“Ferida é uma palavra interessante, porque, se é pecado, deveríamos chamar de pecado”, diz ele. “Eu apenas sinto muito por pessoas confusas e bagunçadas. Deus está irado contra pessoas em pecado. Feridas e confusões são aspectos de nossa condição pecaminosa, mas há uma tendência de não enfatizar a parte na qual ‘estou pouco me lixando para Deus’ dessa atitude”.

Nós nos tornamos confortáveis demais com nosso pecado, ao ponto de ser essa a maneira pela qual nos identificamos e nos relacionamos com os outros. Mas não deveria ser Cristo o que temos em comum, ao invés de nossa depravação?

Autenticidade significa crescimento

Nossa noção de autenticidade não deveria ser primariamente sobre afirmar uns aos outros em nossas lutas – dando tapinhas nas costas enquanto compartilhamos nossas lutas contra a pornografia enquanto aproveitamos a segunda rodada de cerveja no estudo bíblico no pub. Pelo contrário, a autenticidade vem quando coletivamente empurramos uns aos outros, pela graça, na direção da semelhança com Cristo.

Refletindo sobre a “obsessão corrente com a confusão” do cristianismo, Megan Hill escreveu para o site her.meneutics “Se estamos constantemente procurando outra pessoa que seja autêntica sempre nas mesmas coisas, deixamos de enxergar o que podemos ter no Deus-homem perfeito”.

Hill sabiamente afirma “A graça prevalece. E prevalece sempre. Graças a Deus”. Mas se paramos aqui, “estamos contando apenas metade da história… Receber graça por meus fracassos também inclui a ajuda de Cristo para abandonar o pecado e abraçar a nova obediência”.

Será que a coisa mais autêntica que cada um de nós pode fazer é perseguir fielmente a santidade e seguir a Cristo obedientemente?

“Mas o pecado deveria ser sempre motivo para arrependimento, não celebração”, diz Thoennes.

Na Escritura, Paulo ensina repetidas vezes que os cristãos estão “mortos para o pecado” e ressurretos para uma nova vida, não mais escravos do pecado, mas da justiça (Romanos 6). Isso não significa que a batalha contra o pecado acabou. Mas como Paulo descreve essa batalha em Romanos 7, “quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim”, notavelmente separando sua identidade desse intruso indesejado que ainda habita nele. Essa batalha não é o início nem o final da identidade de alguém. Em Cristo somos novas criaturas (2 Coríntios 5.17), chamados a frutificarmos pela vida no Espírito (Romanos 8).

“Eu entendo que a bondade é mais real no sentido de que estamos realmente vivendo cada vez mais como fomos criados para viver”, diz Thoennes. “Jesus é o ser humano mais real que já existiu. Ele é autêntico. Ele entende nosso fracasso. Mas ele é tão real quanto é possível ser”.

Nenhum ponto por autenticidade

O pecado é necessariamente parte de nossa história enquanto povo redimido. Não deveríamos ignorá-lo ou fazer pouco caso. Mas também não deveríamos inflá-lo ou aceitá-lo com o objetivo de receber pontos por autenticidade.

Sendo alguém que se tornou cristão em seus 20 e poucos, após ter experimentado os altos e baixos de uma vida sem Cristo, Luis Salazar, de Whittier, na Califórnia, acha um tanto triste que tantos jovens evangélicos parecem pensar que lutas dramáticas contra o pecado são mais reais.

“Eu jamais gostaria de passar por aquilo novamente”, diz Salazar. “Eu queria nunca ter passado por aquilo. Uma vida de pecado não é um pré-requisito para experimentar a graça. Não é necessário ter um grande testemunho de fracassos para ser um cristão autêntico”.

Para superar nossa confusão de “autenticidade”, os evangélicos precisam enxergar a si mesmos de uma forma diferente. Ao invés de focar em nossos fracassos, deveríamos olhar para Cristo e aqueles que são modelos de semelhança com Ele. Deveríamos nos mover nessa direção, pela graça e pelo poder do Espírito Santo.

Nós deveríamos também, talvez, parar de falarmos de nós mesmos nesses termos de “escória”. Em Cristo, podemos ser mais do que escória. E essa é a mensagem que o mundo tão desesperadamente precisa.

“Por mais que pensemos que autodepreciação nos leva a sermos mais relacionais e mais empáticos aos não cristãos, isso comunica, no fim das contas, um senso de desapontamento, desilusão e descontentamento”, Stephen Mattson escreveu para a Red Letter Christians. “Isso apenas fazer crescer um senso de negatividade e mata qualquer senso de esperança”.

“A realidade é que há muitas coisas de errado com o Cristianismo”, diz Mattson, “mas ao invés de focarmos no que é ruim, vamos tentar recuperar a esperança que Jesus representa – redimir nosso mundo ao personificarmos o sacrifício, o serviço, a graça, a esperança, a alegria e o amor de Cristo”.

Fonte:
Reforma21.org - Brett McCrakken
Traduzido por Filipe Schulz
Original aqui

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