Os Propósitos da Lei de Deus


Em 1 Timóteo, lemos que a lei só é boa e proveitosa quando alguém a usa de maneira adequada (1:8). Como o versículo deixa subentendido, infelizmente, há quem empregue a lei de Deus de maneira inadequada. Exemplo disso é alguém ensinar que a lei é um meio de salvação ou justificação. Obedecer à lei não é o que nos torna dignos diante de Deus. A salvação é sempre pela graça de Deus. Paulo disse: Vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie (Ef 2:8-9). Se “salvação” não é função da lei, então por que esta existe? Qual é o seu propósito?

A lei de Deus tem sido objeto de muitas discussões entre religiosos, especialmente nestes últimos tempos. Essas discussões são, via de regra, extremistas. De um lado, estão os liberais, que se julgam desobrigados de guardar a lei; do outro, os legalistas. Como já observei, em estudo anterior, enquanto os legalistas consideram que só pelo cumprimento da lei as pessoas podem ser salvas, os liberais julgam desnecessário o cumprimento desta, pois entendem que a graça e a fé são suficientes para salvar aquele que crê, ficando este dispensado da obediência à lei. Para não haver, entre nós, confusão sobre essas questões, este estudo tem como objetivo mostrar o verdadeiro propósito da lei, de acordo com as Escrituras.

Por isso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. (Rm 3:20)

A lei tem como objetivo desmascarar o pecado

Um dos principais objetivos da lei consiste em convencer-nos de que somos pecadores. Para que nos convençamos disso, é necessário que conheçamos o significado de pecado. A lei também nos ajuda a compreender isso. A segunda parte do texto que é base para este post diz: Porque pela lei vem o conhecimento do pecado.

A palavra “conhecimento” é a tradução do termo grego epignosis, que pode também ser traduzido por “conhecimento preciso e concreto”. Por isso, algumas traduções trazem pleno conhecimento (RA). Veja o quanto a lei é importante: é ela que nos revela o tipo de pessoa que temos sido, diante de Deus. Ao nos revelar essa verdade, presta-nos um grande serviço, pois nos enseja a oportunidade de mudança para melhor.

Em sua carta aos Romanos, o apóstolo Paulo faz uma declaração importante: Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissesse: Não cobiçarás (Rm 7:7). A lei funciona como uma espécie de espelho diante do qual os nossos defeitos nos são revelados, ou seja, “desmascara a hipocrisia do coração humano, que imagina constantemente estar certo diante de Deus, e também para mostrar a corrupção da raça adâmica”. [1]

É a lei de Deus que revela a nossa verdadeira condição espiritual diante de Deus. Quanto ao termo “pecado”, temos, na primeira carta de João, a melhor definição bíblica dessa palavra: ... pecado é a transgressão da lei (1 Jo 3:4). Por isso, está escrito: Porque onde não há lei também não há transgressão (Rm 4:15). Porque o pecado não é imputado, não havendo lei (Rm 5:13). Com razão, é possível dizer que o castigo da lei é para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, para os fornicários, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos (1 Tm 1:9-10).


A lei tem como objetivo apontar o Salvador

Quanto conhecimento sobre a salvação tinham as pessoas que viveram antes de Cristo? Havia aqueles que, “como os profetas podiam saber muito. Outros sabiam menos. Contudo (...), o propósito da lei era claro: revelar o pecado e apontar para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo como Salvador”. [2] Sim, a lei a ninguém justifica. Não foi com esse propósito que ela foi feita. Porém, serviu-nos de guia, para conduzir nos a Cristo (Gl 3:24), mostrando o nosso pecado e a necessidade de perdão que só em Cristo pode ser satisfeita.

A lei age para conduzir os homens à salvação pela fé em Jesus Cristo (Gl 3:21-24; Rm 7:24 e 25, 3:19-26), convencendo-os “do seu pecado (...) para direcioná-los à sua única esperança: a graça de Deus em Jesus Cristo!”. [3] É em Jesus que alcançamos a graça do perdão e a justificação. Como afirmou Pedro, em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos (At 4:12).

Nada e ninguém poderá nos salvar, a não ser Jesus Cristo, por meio da fé. A consciência de pecado, o arrependimento e a confissão são passos no processo de aproximação do homem com Deus; porém, a necessidade de perdão só lhe será satisfeita por Jesus Cristo. Até este ponto, é notável o papel desempenhado pela lei. O que Paulo diz de si mesmo, em Rm 7:7, apenas exemplifica o que normalmente acontece com todos: consciência de pecado, arrependimento e confissão.

Essas posturas são despertadas pela lei, sendo esta a razão pela qual ela nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fossemos justificados (Gl 3:24). A lei nos serviu de guia para nos conduzir a Cristo. A consciência do estado de culpa não teria se manifestado em nós, se a lei não dissesse que estávamos em desacordo com a vontade de Deus, para que, pela fé, fossemos justificados.

Aqui, temos o propósito da lei e o propósito da fé: a primeira nos conduz a Cristo; a segunda nos justifica.

A lei tem como objetivo inibir a transgressão

A lei inibe a transgressão por manifestar o caráter santo de Deus. Quando somos convencidos pelo Espírito Santo da nossa situação lamentável e deparamo-nos com a santidade de Deus expressa na lei, sentimos o peso da nossa condição e nos voltamos para ele, inconformados com o nosso estado miserável. Isso porque o Espírito Santo nos conscientiza de que transgredi-la é ofender a santidade de Deus. Nenhum fiel seguidor de Jesus Cristo tem prazer em ofendê-lo. Portanto, buscará em Deus a força para permanecer fiel. Esse é o efeito inibidor da lei.

Paulo afirma que a lei foi escrita para os transgressores, de acordo com 1 Tm 1:9-10. Quando lemos, nesse texto, que a lei não foi feita para o justo, entendemos que esta traz punições para os desobedientes, citados nos versículos 9-10. Neste sentido, a lei não é feita para o justo, pois este não está sob seu poder condenatório, uma vez que foi justificado pelo Senhor Jesus e não vive mais em desacordo com a lei. Os que são lavados pelo sangue do Cordeiro são inibidos de transgredi-la pelo amor a Deus.

Quando desobedecem – porque ainda são pecadores –, podem achegar-se a ele, arrependidos, confessando seus pecados e pedindo-lhe perdão, com a seguinte garantia: Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1 Jo 1:9). A essência da lei de Deus é o amor. Sendo assim, o efeito inibidor da lei tem origem no amor. Deus não usa o medo para inibir a transgressão de sua lei a seus filhos.

Não podemos negar as consequências da transgressão da lei, pois Deus nos corrige em seu amor (Pv 3:11-12; Hb 12:6-8); mas precisamos entender que o medo dessas consequências não deve ser a motivação para não transgredirmos a lei. Deus não quer esse tipo de obediência. Ele quer o nosso amor. Os filhos da ira é que devem temer o juízo divino. Nós, porém, fomos feitos filhos de Deus, tirados das trevas para a sua maravilhosa luz. Sobre nós, está a misericórdia de Deus, não mais a sua ira.

A lei tem como objetivo guiar-nos na santificação

Além de revelar o pecado, a lei também induz o pecador arrependido a uma mudança de rumo em sua vida. O Espírito Santo, que opera na vida daquele que ama a Deus e à sua lei, o impelirá a buscar o caminho da santificação. Tudo o que caracterizava a velha natureza passa a ser combatido e desestimulado, pois uma nova criatura está nascendo em Cristo (2 Co 5:17). Essa nova criatura, além de ser beneficiada com a graça salvadora de Cristo, encontrará, também, na santa lei de Deus, toda a orientação espiritual de que precisará para viver em harmonia com ela.

Sendo a lei a expressão escrita da vontade de Deus para com o ser humano, este descobrirá nela os propósitos de Deus para a sua vida. Um dos propósitos de Deus para o crente é que este seja santo, porquanto escrito está: Sede santos, porque eu sou santo (1 Pd 1:16). Para ser santa, uma pessoa precisa ser, necessariamente, separada de tudo que a contamina e, cada dia mais, espelhar a imagem de Cristo. Mas quem ensinou essas coisas e onde isso está escrito, senão na lei de Deus? (Rm 8:4-5). Portanto, não foi sem motivo que Paulo afirmou que a lei é santa, o mandamento, santo, justo e bom (Rm 7:12).

Ao dizer que a lei é espiritual (Rm 7:14) e que tinha prazer na lei de Deus (Rm 7:22), Paulo estava confessando a sua crença nos mandamentos. Aliás, nas Escrituras do Novo Testamento, ele é figura de destaque na defesa da lei de Deus, embora nem sempre seja bem compreendido naquilo que escreveu a respeito dela. Quando defende a justificação pela fé, sem as obras da lei (Rm 3:28), Paulo não está isentando o crente da obediência (v. 31). O que ele quer tornar claro é que cada uma dessas coisas tem um propósito definido, mas não são antagônicas entre si. Paulo não era antinomista, ou seja, para ele, a lei e a fé não são excludentes.


Quais são, então, os objetivos da lei de Deus? 

Revelar o pecado e levar o pecador arrependido a encontrar o Salvador; inibir a ação pecaminosa e guiar para a santificação.

Tudo isso significa que a lei exerce um importante papel em benefício do pecador, primeiramente levando-o a conhecer o pecado, e, em seguida, mostrando-lhe a necessidade de perdão. Essa é uma obra do Espírito Santo. João 16:8 afirma que o Espírito Santo é quem convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Estes “só fazem sentido diante da lei de Deus. Sem lei, não haveria pecado ou condenação”. [4]

Aplicando a Palavra de Deus em nossa vida

Devemos usar a lei de Deus de maneira apropriada.

Há muitas pessoas que fazem uso inapropriado da lei. Alguns lhe conferem mais atribuições do que ela realmente tem, enquanto outros a minimizam. Do ponto de vista cristão, a função principal da lei divina é mostrar ao homem a “desesperança de sua situação. É como o termômetro (...): não cura doenças, mas auxilia os doentes a perceberem que estão doentes e necessitam de um médico”. [5] Agora que já sabemos os fins da lei, façamos uso apropriado dela, e veremos que, apesar de não ter a função de nos justificar, ela nos proporcionou e nos proporciona um grande serviço.

Devemos usar a lei de Deus de forma consciente.

A lei de Deus revela o caráter do próprio Deus. Quando a Escritura diz: ... o fim da lei é Cristo (Rm 10:4), não está afirmando que, em Cristo, a lei termina, mas, sim, que sua finalidade é conduzir o pecador a Cristo, uma vez que, depois de salvo, o crente continua a observá-la, como prova de sua gratidão a Deus (Jo 14:21; 15:10). Portanto, agora que sabemos qual o papel da lei e temos consciência do seu propósito, devemos guardá-la e respeitá-la, de forma consciente, como prova do nosso amor; afinal, assim nos ensina a palavra de Deus: Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai (Jo14:21).

Concluindo

Um dos propósitos da lei é revelar o pecado, conscientizar-nos de que somos pecadores e de que, como tais, necessitamos de um Salvador. A lei não tem o poder de nos salvar, como alguns imaginam. Esta é uma atribuição de Cristo e tão somente dele. Este estudo mostrou-nos também que a lei aponta para o Salvador, inibe a ação pecaminosa enquanto nos induz a uma vida de santificação. É evidente que a lei não tem como objetivo salvar a quem quer que seja, mas nos serviu de guia para nos levar a Cristo e nisto já nos prestou um grande serviço. Amemos e obedeçamos à lei de Deus!


Bibliografia:

1. BOICE, James Montgomery (Ed). Fundamentos da fé cristã: um manual de teologia ao alcance de todos. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2011. pág. 193
2. BOICE, James Montgomery (Ed). Fundamentos da fé cristã: um manual de teologia ao alcance de todos. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2011. pág. 196
3. EINWECHTER, William O. Ética e a lei de Deus: uma introdução à teonomia. Brasília, DF: Monergismo, 2009. pág. 49
4. MEISTER, Mauro. Lei e graça: a compreensão necessária para uma vida de maior santidade e apreço pelas verdades divinas. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. pág. 99
5. FORELL, George W. Ética da decisão: introdução à ética cristã. 8 ed. São Paulo: Sinodal, 2005. págs. 64-65


Fonte:
DEC - Paulo Cesar Amaral

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