Quando o Povo de Deus se Reúne para Pedir Perdão

Assiste-nos, ó Deus e Salvador nosso, pela glória do teu nome; livra-nos e perdoa-nos os nossos pecados, por amor do teu nome. (Sl 79:9)


O perdão é a garantia de uma segunda chance. Mas, por que, muitas vezes, precisamos de outra chance? Porque somos pecadores e, como tais, estamos expostos ao erro, dia após dia. E isso não é de agora. Os israelitas, por exemplo, fracassaram inúmeras vezes diante de Deus. Mostraram-se instáveis em sua fé, e a incredulidade os levou à rebelião (Dt 31:27, 32:15- 18), à ingratidão (Êx 15:1-21), à insatisfação (Sl 106:4), à inveja (Nm 16:1-3). Por essa razão, encontramos na Bíblia vários textos em que essa nação confessa a Deus os seus delitos (Ed 9:15; Ne 9:3; Jr 14:20). A confissão é uma prática necessária e não deve ser ignorada no culto.
O texto básico deste estudo é uma oração de confissão, na qual o salmista declara, sem rodeios, a culpa da nação e a urgente necessidade desta de ser perdoada. Ele entende que o primeiro grande passo para uma restauração é a confissão. Esta pode ser tanto coletiva quanto individual. O termo confessar é uma tradução da palavra hebraica yãdhâ e da palavra grega homologein, e tem o sentido tanto de declaração de fé (Rm 10:10) quanto de reconhecimento do pecado (1 Jo 1:9). [1] É exatamente sob o ponto de vista desse último sentido que abordaremos o assunto, levando em consideração o ato do culto, no qual nos reunimos para, dentre outras coisas, pedir perdão.
Reconhecendo a culpa: Atentemos para uma questão importante: Por que reconhecer a culpa e confessá-la? Ninguém vai nos dar uma resposta tão leal a esta pergunta quanto a Bíblia, a palavra de Deus. Observe: Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus (Rm 3:23). Essa é a realidade da qual todos nós fazemos parte. A questão do pecado é bem enfatizada nas Escrituras. Elas não maquiam e nem escondem a verdadeira condição do ser humano. A propósito, a palavra pecado parece estar cada vez mais ultrapassada na sociedade moderna. Ela é, frequentemente, associada apenas a uma transgressão na dieta ou a um delito no trânsito. [2]
Mas o conceito bíblico de pecado é muito mais grave: pecado é sinônimo de morte: ... por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram (Rm 5:12). Julgo necessário frisar essa questão porque muitos se consideram “perfeitos” demais para praticarem a confissão. Não reconhecem o erro. Mas isso não é de hoje. Há cerca de dois mil anos, João escreveu: Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos (1 Jo 1:8). Na época, havia quem afirmasse não ter pecado. Isso é grave porque negar a existência do pecado ou da nossa pecabilidade é ignorar a eficácia do sacrifício de Cristo, por cujo sangue somos purificados (1 Jo 1:7).
Não é fácil para ninguém enxergar as próprias manchas no espelho! Parece mais cômodo combater os pecados alheios. A nossa vontade, na maioria das vezes, é conhecer o pecado dos outros sem reconhecer o nosso. Jogar a culpa no próximo é o atalho mais fácil, pensamos. Todavia, os personagens mais notáveis da Bíblia nos mostraram o contrário. Davi, o homem segundo o coração de Deus, confessou: Eu conheço as minhas transgressões (Sl 51:3). Isaías admitiu: (...) sou um homem de lábios impuros (Is 6:5). Paulo, por sua vez, reconheceu: Miserável homem que eu sou! (Rm 7:24a). O que esses homens de Deus tinham em comum? Eles confessavam a própria culpa e jogavam o peso dela sobre os próprios “ombros”.
Expondo os erros: Uma vez tendo o ser humano se deparado com a sua miséria moral, isto é, com a natureza pecaminosa que nele habita, e tendo, por consequência, reconhecido a própria culpa, ele carece igualmente expor, de forma direta, os seus delitos diante daquele que é santo, santo, santo (Is 6:3). Entenda que o culto é propício para se reconhecer a santidade de Deus e louvá-lo por ela, mas também é a oportunidade para confessarem os erros. João escreve: Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça (1 Jo 1:9). Sabendo disso, perguntamos: Que pecados confessar? Para Deus devemos confessar os pecados cometidos (Lv 5:5). Tendo em vista que tropeçamos em muitas coisas (Tg 3:2), estamos sujeitos a fraquejar e cair. A lista de pecados que uma pessoa pode cometer, ao longo da vida, é enorme: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria etc. (Gl 5:19-21).
Todos eles devem ser confessados, quando cometidos. E não somente esses. É necessário confessarmos também os pecados desejados. Mesmo que não cometamos determinado delito, podemos desejar cometê-lo, o que não nos isenta de culpa (Mt 5:28). Sabendo disso, Paulo fez a seguinte confissão: Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum (Rm 7:18).
Além dos pecados cometidos e desejados, a confissão deve ser feita pelos pecados de cumplicidade. Muitos erram ao tornarem-se cúmplices da transgressão alheia. Contribuir direta ou indiretamente para o pecado dos outros, é, também, iniquidade. Tal cumplicidade nos torna impuros, afirma a Bíblia (1 Tm 5:22). Esse pecado precisa ser confessado e abandonado.
Por fim, devem-se confessar os pecados ocultos. Estes são cometidos corriqueiramente, muitas vezes, sem percebermos. Mas Deus os conhece (Sl 139:23). Pode ser uma palavra “mal” dita, um pensamento promíscuo, uma ação indigna. Em relação a esse tipo de pecado, o salmista pediu: Por favor, Senhor, perdoa estes meus pecados ocultos (Sl 19:12b – BV).
Superando os obstáculos: Por se tratar de uma prática tão essencial à vida cristã, a confissão de pecados tem lá os seus obstáculos. É certo que, por meio dela, a pessoa coloca-se diante do Deus santo, no culto, reconhecendo que está na hora de permitir que ele realize a limpeza e a remoção da sujeira acumuladas durante a semana. [3] Todavia, dispormo-nos a isso não é tão fácil quanto gostaríamos que fosse. Muitos têm enormes dificuldades para confessar os pecados e, por conta disso, retardam em fazê-lo ou, simplesmente, nunca o fazem.
Precisamos, portanto, estar atentos quanto aos empecilhos da confissão. Quais são eles? Em primeiro lugar, a ausência da noção de pecado. Uma pessoa que sofre esse problema julga ser pecado aquilo que, de fato, não é ou vice-versa. Desse modo, vive na hipocrisia (Mt 23:24), porque não atentou para o verdadeiro significado de pecado: ... a transgressão da lei de Deus (1 Jo 3:4). Em segundo lugar, o orgulho. Quando alguém se deixa dominar por esse mal, jamais confessa o pecado. Ele declara que não pecou e não reconhece o erro. Porém, pelo fato de estar com o coração infestado desse fermento, ele já está em falta, pois o orgulho em si é pecado (2 Tm 3:4).
Em terceiro lugar, o medo de retornar ao pecado é outro empecilho à confissão. Este problema é um incômodo para muitas pessoas. Elas pensam: “Por que confessar este pecado se há o risco de eu cometê-lo outra vez?”. Além disso, elas ficam inseguras quanto ao perdão divino, pois têm uma grande dificuldade de aceitar o fato de que Cristo pode perdoá-las de novo pelo mesmo delito (Mt 18:22). Esses obstáculos existem e não podem ser ignorados. Eles retardam a confissão. Se, de algum modo, não os enfrentamos no passado, não estamos isentos de enfrentá-los no presente. Mas podemos superá-los com a ajuda de Deus, e, finalmente, sem impedimentos, praticar a confissão.
Atestando os resultados: Após o reconhecimento da culpa, a exposição do erro e a superação dos obstáculos, estaremos aptos a atestar os resultados da confissão. O perdão é um desses resultados. O texto seguinte esclarece: Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados (1 Jo 1:9). Há uma verdade maravilhosa nesse texto: Na primeira frase, pecado é um débito que Deus quita, e, na segunda, uma mancha que ele remove. [4] A confissão não é um peso, mas uma bênção na vida daqueles que se achegam para adorar. Deus perdoa porque é fiel às suas promessas (Jr 31:34), embora não mereçamos tamanha dádiva.
Além do perdão, a confissão proporciona restauração. Enquanto não estiver convicta de que foi perdoada por Deus, a pessoa será incomodada pelo “peso” da própria consciência. Nesse sentido, é possível compreendermos a agonia do salmista, quando clamou: Confesso a minha culpa; em angústia estou por causa do meu pecado (Sl 38:18). Nessa condição, ninguém tem forças para prosseguir a caminhada cristã. Mas esse quadro muda com a certeza do perdão divino. A partir daí, o ser humano entra no processo de restauração, ou seja, de uma reconstrução ou restabelecimento (Pv 28:13). Logo, ele é motivado a abandonar a vida velha e a recomeçar com novos costumes, atitudes e convicções. Por fim, a confissão resulta em cura.
Algumas enfermidades estão ligadas a pecados pessoais (Jo 5:14) e à punição divina. O salmista faz uma declaração surpreendente: Não há parte sã na minha carne, por causa da tua indignação; não há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado (Sl 38:3b). Nesse caso, a “cura só vem depois que o pecado é confessado”. [5] O escritor do Salmo 41:4 é ciente disso: Disse eu: compadece-te de mim, Senhor; sara a minha alma, porque pequei contra ti. Observe que ele associa o seu pedido de cura à sua confissão: ... pequei contra ti. A cura resultante da confissão pode ser tanto física quanto emocional e espiritual.
PRATICANDO A PALAVRA DE DEUS
No culto, pratiquemos a confissão com arrependimento.
A confissão, por si só, não basta. É necessário arrependimento de quem almeja, de fato, receber o perdão do Criador. Como sabemos, arrependimento significa transformação de mente ou mudança de opinião. Logo, quem muda de opinião, tende a mudar de atitude. A Bíblia é clara em afirmar que a verdadeira transformação ocorre pela renovação do nosso entendimento, pela qual é possível experimentarmos a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12:2). Esse deve ser o nosso propósito, quando nos prostrarmos diante de Deus, no culto (e fora dele), e confessarmos os nossos pecados. O coração honestamente arrependido não se refugia nas justificativas. Não “atira” para todos os lados, em busca de um culpado para as suas próprias transgressões. Pelo contrário, admite humildemente a sua culpa. Quer um exemplo? Davi. Após tramar a morte de Urias, para possuir a esposa deste, Davi confessou o seu pecado, arrependido, e pediu: Cria em mim um coração puro, ó Deus (Sl 51:10a). Essa deve ser a nossa súplica, diuturnamente. Essa oração não deve ser fruto do hábito, mas do arrependimento. Confessemos os nossos erros a Deus, mas supliquemos-lhe por transformação!
No culto, pratiquemos a confissão com transparência.
A confissão deve ser transparente. Devemos contar para Deus em que pecamos, sem rodeios ou fingimento. Poupemo-nos da insensatez de tentar esconder as nossas misérias dele. O escritor de Provérbios 28:13a é contundente em afirmar: O que encobre as suas transgressões jamais prosperará. Costumamos, geralmente, ser transparentes em nossos pedidos. Quando vamos ao culto, via de regra citamos tudo aquilo que queremos receber de Deus. Pedir algo para ele não é errado. O problema é que nem sempre somos tão transparentes na confissão dos nossos erros. O salmista procurou ser transparente. Ele afirmou: Confessei-te o meu pecado e a minha iniqüidade não mais ocultei (Sl 32:5). É isso mesmo. Ele confessou o seu pecado. Se quisermos obter êxito em nossa súplica por perdão, confessemos os nossos pecados. Todos eles. Sejamos transparentes diante do Deus santo. Isso significa dizer que, ao nos reunirmos no culto para pedir perdão, é nosso dever confessar para ele os pecados cometidos e desejados. De igual modo, confessemos os pecados de cumplicidade e, por fim, os pecados ocultos. Aquele que os confessa e deixa alcançará misericórdia (Pv 28:13).
No culto, pratiquemos a confissão com urgência.
A confissão é um ato urgente. Não deve ser ignorada nem prorrogada. Caso isso aconteça, a comunhão do pecador com o seu Criador ficará comprometida, tendo em vista que as nossas iniquidades fazem divisão entre nós e o nosso Deus (Is 59:2). A demora em se confessar o pecado, automaticamente, culminará na prorrogação do perdão. Veja o que o salmista declara sobre isso, por experiência própria: Eu tentei por algum tempo esconder os meus pecados. Mas fiquei muito fraco, gemendo de dor e aflição o dia inteiro (Sl 32:3, NBV). Quanto mais demoramos a confessar os nossos pecados ao Pai, mais distantes ficamos da cura e da restauração. Mas a história do salmista não termina no lamento, nem na omissão da confissão. Ele, então, prossegue: Pensei comigo mesmo: Confessarei as minhas transgressões ao SENHOR. E o Senhor perdoou a culpa do meu pecado (Sl 32:5b – NBV). Ele demorou a confessar o seu pecado, mas logo caiu em si e percebeu que a demora só o fazia sofrer mais. Após a confissão, encontrou alívio para a sua vida. Sabendo disso, não nos demoremos a confessar os nossos pecados diante daquele é longânimo e grande em beneficência, que perdoa a iniqüidade e a transgressão (Nm 14:18a).
CONCLUSÃO
O tema do texto nos apresenta um retrato do que verdadeiramente somos: pecadores. Só se reúnem para pedir perdão os que reconhecem essa verdade. Reconhecer a culpa, expor os erros, superar os obstáculos e atestar os resultados é fundamental na prática da confissão. Jamais esqueçamos que ela é tão importante quanto os outros aspectos da adoração. Por isso, estejamos prontos a praticar a adoração com arrependimento, transparência e urgência. Assim, receberemos aquilo que tanto almejamos: perdão.

Bibliografia
1. DOUGLAS, J. D. O novo dicionário da Bíblia. Vol. 1. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova. 1962. pág.314
2. DOUGLASS, Klaus. Celebrando o amor de Deus: o despertar para um novo culto. Curitiba: Esperança, 2000. pág.73
3. DOUGLASS, Klaus. Celebrando o amor de Deus: o despertar para um novo culto. Curitiba: Esperança, 2000. pág.73
4. STOTT, John. I, II e III João: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1982. pág.67

DEC - PCamaral

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