A vinda do homem do pecado e a vinda do Filho do homem

Em II Tessalonicenses, Paulo fala abertamente sobre duas vindas. Mas não se trata das duas vindas de Cristo à terra, a primeira em fraqueza e muita humilhação, e a segunda em poder e muita glória. As duas vindas anunciadas pelo apóstolo nessa passagem são a vinda do homem do pecado e a vinda do Filho do homem, nessa ordem (2Ts 2.1-12). Prega-se muito mais a vinda gloriosa de Jesus e muito menos a vinda horrorosa do homem do pecado. Ainda assim, fala-se e escreve-se pouco sobre ambos os acontecimentos escatológicos. Eles estão interligados. Um precede o outro. Ambos são anunciados na mesma passagem, mas não são datados. Os dois eventos são absolutamente certos. Todavia, como ninguém sabe o dia nem a hora da volta de Jesus, nem os anjos do céu, nem o próprio Filho, “senão somente o Pai” (Mt 24.36), o mesmo acontece com o dia e a hora da revelação do homem do pecado. Ambos merecem a maior atenção possível.

A vinda do homem do pecado

Quem é o homem do pecado? O que ele pretende fazer, a sua missão, é muito mais importante do que o seu nome. Ele é o oposto de Jesus. Enquanto o Senhor, “embora Deus, não exigiu nem tampouco se apegou a seus direitos como Deus, mas pôs de lado seu imenso poder e sua glória, ocultando-se sob a forma de escravo e tornando-se como os homens” (Fp 2.6-7, BV), o homem do pecado, embora criatura, proclama-se Deus. Jesus desce dos céus e ele pretende subir aos céus. Jesus se humilha e ele se exalta. Jesus restaura a comunhão do ser humano com Deus, perdida originalmente na queda, e ele “se ergue contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de culto, até sentar-se no templo de Deus, proclamando-se Deus” (2Ts 2.4, BP). Nesse sentido, o biólogo ultradarwinista Richard Dawkins, na tentativa de arrasar com todas as religiões do mundo através de seus livros — principalmente Deus, Um Delírio, recentemente lançado no Brasil — chega bem perto do homem do pecado.

Paulo usa outras duas expressões para se referir ao homem do pecado em II Tessalonicenses 2. Ele é o “filho da perdição” (v. 3) e “o perverso” (v. 8 e 9). A primeira expressão lembra a oração sacerdotal de Jesus no Cenáculo, quando o Senhor se refere a Judas: “Nenhum deles [dos discípulos] se perdeu, exceto o filho da perdição” (Jo 17.12). Como o apóstolo traidor, o homem do pecado é “o destinado à perdição” (BP) ou o “filho do inferno” (BV) ou “aquele cuja perda é certa” (EP). A segunda expressão pode ser traduzida como “o iníquo”, “o ímpio”, “o homem da rebelião”, “o homem da anomalia” ou “o pecado em figura de humana” (BP).

O nome mais popular e mais óbvio para o homem do pecado, Paulo não usa em nenhuma de suas cartas. É João quem o chama quatro vezes de “anticristo” (1Jo 2.18, 22; 4.3; 2 Jo 7).

Até o presente momento, o homem do pecado ainda não foi revelado, ainda não tirou a máscara, ainda não subiu ao palco nem ao altar. Talvez já esteja por aí, nos bastidores da mentira, nos camarins da vida, nas sacristias dos templos dos demônios ou nos subterrâneos do mal. Ele ainda não entrou em cena de modo visível, audível e palpável. Alguma coisa ou alguma pessoa o detém, de acordo com Paulo (2Ts 2.7). (Veja O anticristo aparecerá com o desaparecimento daquele que agora o detém.)

Mas no devido tempo o líder da apostasia, a incorporação da iniqüidade, a cristalização da ímpia oposição a Cristo, o anticristo, o adversário escatológico (isto é, dos tempos do fim) há de vir. Então, ele “se apresentará por força de Satanás, com todo o tipo de milagres, sinais e falsos prodígios” (2Ts 2.9, BP).
William Hendriksen afirma que o homem do pecado é uma pessoa e “não um poder abstrato ou um conceito coletivo”. Também não é Nero, aquele jovem de 17 anos que governou com despotismo o Império Romano (do ano 54 ao 68) e ordenou a primeira grande perseguição aos cristãos (64), trazido de volta à história. Nem o papa — tese defendida pelo reformador inglês João Wycliffe (1330-1384), por causa dos escândalos da Cúria Romana de então. Nem muito menos o diabo, já que é ele quem envia e empresta poder ao pavoroso personagem que chega “até a assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus” (Comentário de 1 e 2 Tessalonicenses. p. 251-265).
A vinda do Filho do homem

Várias vezes nos quatro Evangelhos e uma vez em Atos dos Apóstolos (7.56), Jesus é chamado “Filho do homem”. Enquanto a expressão “Filho de Deus” indica a natureza divina de Jesus, a expressão “Filho do homem” indica a sua natureza humana. Quando se refere à volta de Jesus, os Evangelhos preferem chamá-lo de “Filho do homem” (Mt 16.27; Mc 13.26; Lc 12.40).

Algum tempo depois da vinda horrorosa do homem do pecado, se dará a vinda gloriosa do Filho do homem. A Escritura não revela a extensão do tempo entre uma vinda e outra.

A vinda de Jesus ou, melhor, a sua segunda vinda (Hb 9.28) ao mesmo cenário da primeira vinda, é tão importante quanto o seu nascimento virginal, o seu sacrifício vicário, a sua ressurreição dentre os mortos, a sua ascensão aos céus e o seu solene assentar à direita do Pai para estender o seu reinado até o estabelecimento definitivo de sua soberania, derrubando todos os seus inimigos, isto é, toda estrutura que contenha o mal e agrida ou enfraqueça a beleza e a glória da criação em seu todo, inclusive a morte, a mais cruel e imbatível de todas as desgraças que acompanham de perto a queda do homem (1Co 15.20-28). Trata-se de uma história que tem início, meio e fim, um enredo que começa em Gênesis (no jardim do Éden), passa pelo Evangelho de Mateus (no jardim do Getsêmani) e termina no Apocalipse (no jardim da Cidade Santa). O bloco é um só e definitivamente inquebrável.

A vinda do Filho do homem é uma das maiores esperanças para todos os que são alcançados pela graça irresistível. Principalmente porque dela dependem outras esperanças de igual importância, como a ressurreição do corpo, o banimento do pecado, a morte da morte, a redenção da própria criação e o advento de novos céus e nova terra. Todo o conjunto pode ser descrito como a plenitude da salvação.

Jesus mesmo se refere à sua segunda vinda. Às vezes com uma notável simplicidade, como ao se dirigir a Pedro: “Se eu quiser que ele [João] permaneça vivo até que eu volte, o que lhe importa?” (Jo 21.22).

Outras vezes, chama a atenção para a solenidade do evento: “Então [imediatamente após a tribulação] aparecerá no céu o sinal do Filho do homem e todas as nações da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória” (Mt 24.30). No momento exato em que uma nuvem encobria da vista dos discípulos o corpo ressurrecto de Jesus, que estava sendo elevado às alturas, dois anjos surgiram diante deles e explicaram: “Galileus, por que vocês estão olhando para o céu? Este mesmo Jesus, que dentre vocês foi elevado aos céus, voltará da mesma forma como o viram subir” (At 1.11).

A vinda do Filho do homem será tão repentina e visível como o relâmpago, que “sai do Oriente e se mostra no Ocidente” (Mt 24.27). Ocorrerá de surpresa, sem que se saiba o dia e a hora, mesmo que haja sinais que antecedem o momento da sua vinda. Os sinais, na verdade, são processos contínuos que podem ser vistos desde os tempos dos apóstolos. Servem para deixar a igreja em permanente estado de alerta (Lc 21.25-36). Por ela ser absolutamente certa e imprevisível quanto à data, Paulo conclama “que todo o espírito, a alma e o corpo de vocês sejam preservados irrepreensíveis na vinda do nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5.23)!
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Fonte: Revista Ultimato edição 309

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