Por que alguns ficam e outros se vão?



Por Luis A R Branco em Genizah

Há não muito tempo os evangélicos brasileiros foram surpreendidos pelos índices de pesquisas do IBGE, que apontavam para o crescimento do grupo chamado cientificamente de “pessoas sem vínculo institucional”, que no meio evangélico são mais conhecidos como os “desigrejados”.

Esta nova tendência religiosa independente parece ter causado um grande impacto na igreja evangélica e seus líderes. Uma vez alertados pelo êxodo busca-se logo uma contra resposta, ou uma vacina que possa impedir e inverter este processo. No entanto, na realidade evangélica brasileira a vacina escolhida parece não funcionar, mas até acelera o processo de afastamento e a busca pela religiosidade independente.


Infelizmente a igreja evangélica brasileira passa por um terrível estado ético, moral, espiritual e de praxis religiosa. A sociedade já não distingue a igreja do mundo devido aos seus valores. Pastores são envolvidos em esquemas de corrupção e crimes diversos, assim como fazem os piores políticos e traficantes de drogas do país. Temos uma igreja inativa no seu chamado missional para com os de fora, a ponto de boa parte das nossas igrejas no Brasil fecharem as portas, muitos de seus vizinhos não notarão sua falta, a não ser pelo tão desejado silêncio na vizinhança.

Na verdade este não é um drama vivido apenas pela igreja brasileira, mas também pela igreja na Europa e Estados Unidos da América. O caso mais grave é o da igreja europeia que deve servir de alerta para o caminho errado que nossas igrejas no Brasil estão a seguir. Danièle Hervieu-Léger esclarece o antigo papel da igreja na sociedade: “No centro deste universo que foi semelhantemente a si próprio durante séculos, a igreja era o ponto fixo, o local onde se concentrava a vida da comunidade. As pessoas reuniam-se aí, para rezar, mas também para discutir os assuntos comuns. A religião estava no coração da existência quotidiana. Os sinos ritmavam o tempo. As festas religiosas regulavam os ciclos da vida dos indivíduos e do grupo. Hoje em dia já ninguém frequenta estas igrejas, salvo para admirar os traços culturais de um mundo desaparecido.” [1]

O contexto acima retrata muito mais a realidade das igrejas históricas da Europa e algumas católicas e evangélicas históricas do Brasil. Mas a realidade é que num contexto geral, de uma forma ou de outra a igreja já não ocupa o mesmo ponto fixo nas mentes e corações das pessoas como instituição. O que vivemos hoje em praticamente todo o mundo ocidentalizado é a super valorização do indivíduo e super desvalorização da instituição. Danièle explica: “A religião não está nem no íntimo do homem, nem numa esfera de vida interior particular, nem para lá do universo (...). As fronteiras da religião não podem por isso ser fixadas com precisão relativamente à vida sociopolítica.” [2]

Este processo foi lento e silenciado pela ganância e irresponsabilidade dos líderes cristãos que criaram uma igreja diferente daquela idealizada por Cristo e seus Apóstolos. O filósofo Gilles Lipovetsky esclarece que: “Ao contrário do que se verificava no passado, a Igreja já não privilegia as noções de pecado mortal, já não exalta o sacrifício ou a renúncia.” [3] Hoje impera, principalmente no Brasil, a megalomania e o protagonismo exacerbado dos líderes cristãos e das comunidades que conduzem. A ideia que parece conduzir a praxis religiosa destes líderes é “o quanto mais excêntrico melhor”. É por isto que observamos verdadeiras aberrações no meio evangélico brasileiro. Lipovetsky diz ainda: “De uma religião centrada na salvação no Além, o cristianismo passou a ser uma religião ao serviço da felicidade terrena, colocando a ênfase nos valores da solidariedade e do amor, na harmonia, na paz interior, na realização total da pessoa. (...) Hoje, até a espiritualidade funciona em livre-serviço, na expressão das emoções e dos sentimentos, na procura resultante da preocupação com o melhor-estar pessoal (...).”[4]

Se a religiosidade tornou-se uma forma de comércio da fé, com promessas e garantias de uma vida terrena feliz, este mercado tornou-se cada vez mais diversificado e competitivo. Chega a ser ridículo ver pastores em canal aberto de televisão disputando os "seus fiéis" através de trocas de ofensas e pseudo milagre. Nesta categoria de "fiéis" temos aqueles oriundos ou voltados para as religiões afro-brasileiras que irão de um lado para o outro a medida que uma ou outra igreja demonstra mais “poder e eficácia” na solução de seus problemas. E estão dispostos a sacrifícios diversos para alcançarem o que buscam. Danièle explica a características deste grupo de pessoas da seguinte forma: “A grande maioria dos requerentes é constituída por pessoas em situação de vulnerabilidade psicológica, mas igualmente de precariedade social extrema, desprovidas quase sempre de meios econômicos e culturais para fazer face a uma condição que as esmaga.”[5] Outro grupo, talvez um pouco mais elitizado, busca por igrejas onde podem encontrar conforto, boa música, e proeminência ao se tornarem discípulos de “personalidades evangélicas”. Entre estes que buscam estas igrejas, acredito que existe um terceiro grupo, muito pequeno e que com sinceridade busca uma religiosidade genuína, mas permanecem ainda por muito tempo manipuladas por estes líderes.

Entre as “pessoas sem vínculo institucional” é possível identificar pelo menos dois grupos. O primeiro é o grupo dos desiludidos com a igreja. Uma boa parte destes são jovens que cresceram nas igrejas, mas desiludidos com um cristianismo deturpado decidiram por desenvolver uma fé sem vínculo com igreja alguma. O termo usado pela igreja na Grã-Bretanha para este grupo é: “believing without belonging” (crer sem pertencer). E o segundo grupo é aquele que luta silenciosamente para manter a fé num mundo humanista com o qual a igreja não tem se preocupado, mas que representa um grande desafio intelectual para os cristãos jovens e outros não tão jovens nos meios acadêmicos e profissionais.

O sentimento que tenho ao lidar com este grupo é que vivem num limbo, sem respostas, mas lutam para manter acesa a chama da fé em meio a tanta incredulidade. Estes não encontram na igreja uma fé racional com a qual eles possam contar no seu dia-a-dia para responder as exigências do relativismo. Francis Schaeffer explica que neste meio os desafios são grandes, e o humanismo reformulou o Salmo 23: “Eles começaram assim - Eu sou o meu pastor. Então - as ovelhas são o meu pastor. Então - tudo é o meu pastor. Finalmente - nada é o meu pastor.”[6] Nietzsche reconhecia que a morte de Deus ou a sua ausência conduziria o homem ao niilismo, deixando-o sem resposta para a vida. Infelizmente a igreja tem se mantido distraída demais para lidar com estes assuntos. E não é de se admirar que inclusive pastores estejam em crise diante dos desafios humanistas atuais, tendo alguns abandonado as fileiras dos obreiros de Deus e se juntado àqueles que perdidos buscam por respostas. A possibilidade de um universo sem responsabilidade moral e desprovido de valor ético social é inimaginavelmente terrível para aquele que leva o pensamento cristão à sério.

Este artigo não é um artigo sobre “como se deve fazer”, mas sinceramente quero despertar em cada leitor a necessidade de “como pensar”, para então buscarmos respostas da parte de Deus para os homens dos nossos dias. Foi o que Pedro recomendou aos seus leitores: “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós.” (1 Pe 3:15). E que cada um de nós possa atentar para a exortação de Abraham Kuyper: “Não há um único centímetro quadrado em todo o domínio de nossa existência humana sobre o qual Cristo, que é Soberano sobre tudo, não reclame: É meu!” Sendo assim devolvamos à Cristo sua Igreja e nossas vidas.


[1] Danièle Hervieu-Léger, O Peregrino e o Convertido: A Religião Em Movimento [Le pèlerin et le converti], trans. Catarina Silva Nunes (Lisboa: Gravida - Publicações L.da, 2005), páginas 17-18.
[2] Idem, página 28.
[3] Gilles Lipovetsky, A Felicidade Paradoxal: Ensaio Sobre a Sociedade Do Hiperconsumismo (Lisboa: EDIÇÕES 70, Lda., 2007), página 111.
[4] Idem, páginas 112-113.
[5] Ibidem, página 55.
[6] Francis Schaeffer, Como Viveremos (Cambuci: Editora Cultura Cristã, 2003), página 161.


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