Jesus ora antes do episódio da mulher adúltera


Quem organizou a Bíblia em capítulos e versículos não deveria ter separado a frase que aparece no final do capítulo 7 da que vem no início do capítulo 8 de João. Elas poderiam ter ficado juntas em um dos dois textos. Trata-se da explicação: “Então cada um foi para a sua casa. Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras” (Jo 7.53–8.1, NVI). A Nova Tradução na Linguagem de Hoje coloca a frase toda no capítulo 8.

O capítulo 7 de João termina com o encontro dos guardas do templo com os chefes dos sacerdotes, alguns fariseus e Nicodemos (Jo 7. 15-52). Quando acabou a reunião, “cada um foi para sua casa” ou “cada qual para o seu lado” (BP). Porém, Jesus, que estava no templo, não foi para casa, mas para o monte das Oliveiras — um monte arredondado, de 830 metros de altura, de onde se podia ver panoramicamente o templo. Já era tarde. O capítulo 8 narra que “ao amanhecer Jesus apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reunia ao seu redor” (Jo 8.2).

O que Jesus fez no monte das Oliveiras a noite toda? Se ele não foi para casa de Maria, Marta e Lázaro, perto dali, a resposta mais viável é que o Senhor, sozinho, tenha passado a noite em oração, como estava acostumado a fazer (Lc 22.39).

Durante aquele dia, o último e mais importante dia da Festa dos Tabernáculos, Jesus teve a ousadia de levantar-se no templo e declarar em alta voz: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, de seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.37, 38). Naquele mesmo dia, os guardas do templo receberam ordens para o aprisionar, o que não conseguiram, “porque a sua hora ainda não havia chegado” (Jo 7.30).

Talvez Jesus tenha se preparado em oração para o episódio da manhã do dia seguinte. Ele estava ensinando o povo reunido ao seu redor quando, na presença de todos, os mestres da lei e os fariseus introduziram uma mulher surpreendida em adultério e a colocaram diante de todos. Era uma armadilha muito bem elaborada para gerar uma prova contra Jesus. Eles queriam saber a opinião dele, se a mulher deveria ser apedrejada como ordenava Moisés ou não. Aprovando o apedrejamento, os acusadores colocariam o Senhor contra César; caso contrário, contra a lei de Moisés. Dessa vez eles apanhariam Jesus e o entregariam ao Sinédrio ou ao governador romano.

A princípio, Jesus não deu atenção aos seus acusadores e, abaixando-se, começou a escrever ou desenhar qualquer coisa na areia ou na poeira do chão. Como eles insistissem na fatídica pergunta, Jesus levantou-se solenemente e respondeu com uma autoridade impressionante: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar a pedra nela” (Jo 8.7). Dito isso, inclinou-se novamente e continuou o que estava fazendo. De repente, houve uma debandada geral, a começar pelos mais velhos. Todos saíram, e eram muitos; havia não só os acusadores (os mestres da lei e os fariseus), mas também o povo que estava lá para ouvi-lo (Jo 8.2).

Não se menciona a presença de nenhum dos apóstolos. Os únicos a permanecer no local foram Jesus e a mulher. Então, ele se pôs de pé outra vez e perguntou à adúltera: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?”. A mulher, ainda surpresa e emocionada, respondeu: “Ninguém, Senhor”. Jesus pronunciou, então, uma de suas frases mais conhecidas e citadas: “Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado.” (Jo 8.11).

O sucesso de Jesus foi enorme, marcante e público. E repercute até hoje, embora não poucas pessoas memorizem e propalem apenas a primeira metade das palavras dele (“Eu também não a condeno”), e não a parte final (“Agora vá e abandone sua vida de pecado”).

Se Jesus passou uma noite inteira em oração apenas por causa desse incidente, valeu a pena.

Publicado originalmente em Revista Ultimato

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