A nobreza secreta
Só se reconhece o valor de algumas pessoas muitos anos depois de sua morte. Uma razão para isso é que essas pessoas valorizavam mais os outros do que a si mesmas. Viveram na obscuridade. As luzes dos holofotes incidiam sobre os outros, nunca sobre elas. Escolheram o difícil caminho da renúncia e da negação e encontraram sua alegria na liberdade de servir.
Uma dessas pessoas foi Francisco de Assis (1182–1226). G. K. Chesterton, admirador de Francisco, escreveu uma biografia completa sobre sua vida e obra. Num artigo sobre o ascetismo na vida de Francisco de Assis, reconhece que o segredo do seu sucesso foi possuir uma mente de uma “simplicidade quase enlouquecedora” e prossegue afirmando que “é costume dizer que o segredo de tais homens é sua profunda crença em si mesmos, e isso é verdade, mas não toda a verdade. Reformatórios e asilos de lunáticos estão apinhados de homens que acreditam em si mesmos. A respeito de Francisco é mais correto dizer que o segredo de seu sucesso era sua profunda crença em outras pessoas, e é a falta dessa crença que frequentemente foi a ruína desses obscuros Napoleões”. O primeiro passo em direção a uma existência livre e feliz é a humildade. É assim que Jesus inicia suas bem-aventuranças: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus”.
A humildade não é outra coisa senão o dom de reconhecer o outro e valorizá-lo. Como disse C. S. Lewis, a verdadeira humildade não é “pensar menos de nós mesmos, mas pensar menos em nós mesmos”. Foi o que o apóstolo Paulo recomendou aos cristãos de Filipos: “Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros” (Fp 2.3-4). Certamente, não é fácil pensar menos em mim e mais nos outros; como também não é fácil desenvolver uma profunda crença em outras pessoas.
Deus pensou em nós e acreditou em nós. Ele nos amou de tal maneira que nos deu seu Filho. Jesus entrou em nosso mundo e participou de nossa humanidade. Ele se humilhou e tornou-se servo. Mesmo sendo pecadores e indignos de receber qualquer favor de Deus, ainda assim, ele veio a nós, entregou-se por nós, esvaziou-se por nós, fez-se pobre por nós, para que pela sua pobreza nos tornássemos ricos. Assumiu a nossa culpa, morreu na cruz e ressuscitou para nos reconciliar com ele e nos fazer seus amigos. Ele fez isso porque pensou em nós e acreditou em nós.
Existe uma nobreza secreta na bem-aventurança dos humildes. Os humildes sabem ouvir primeiro para depois falar. Sabem confiar, esperar e descansar em Deus. Reconhecem que há sempre algo novo para aprender. Possuem uma certa ingenuidade e pureza porque amam aquilo que outros desprezam. São tolos para o mundo, mas sábios para Deus. Preferem lutar pelo bem dos outros do que pelo seu próprio bem.
Em um mundo onde todos clamam pelos seus direitos e poucos pelas suas responsabilidades; onde muitos lutam pelo sucesso e poucos se preocupam com a sobrevivência dos outros ou mesmo do planeta; onde muros ideológicos, raciais, sociais e econômicos se levantam, aumentando as distâncias e aprofundando as suspeitas e desconfianças, proponho que se ouça mais uma vez o convite de Jesus para aprendermos com sua humildade e mansidão. Isso significa pensar menos em nós e mais nos outros, tomar a cruz da renúncia e abnegação, e nos entregarmos ao serviço sacrificial, seguindo o exemplo de Jesus.
Fonte:
Ultimato - Ricardo Barbosa de Sousa
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