Resistência Cristã!


Nesta ultima segunda-feira, 29 de outubro de 2018, pós-eleição, o Brasil amanheceu ainda dividido. Não apenas entre os que votaram em um ou outro candidato, mas em 3 grupos: os satisfeitos, os insatisfeitos e os temerosos. Dentre estes grupos há, e sempre haverá, indivíduos ou mesmo grupos radicais, tanto na alegria como na frustração. De um lado alguns entendem que teve início no Brasil uma teocracia bíblica... de outro, aqueles que apontam para o início da perseguição a minorias, muito embora o candidato eleito nem sequer tenha assumido o cargo.

Devo me declarar como participante do terceiro grupo, o dos temerosos. Isso não significa nem por um momento que eu tenha perdido minha esperança em Deus e em seu cuidado, ou sequer que tenha me eximido de votar, mas sim que vejo nosso processo democrático fragilizado, por vezes desrespeitado e com certeza polarizado.

Vejo partidos e indivíduos que já se anunciam como uma oposição tácita, do tipo: “Não importa o que ele faça, eu sou contra”. A estes eu lembro que se um número suficiente fizer uma oposição assim, podemos ter uma certeza: a situação de nosso país vai piorar muito!

De outro lado, uma onda de apoiadores que parecem ter encontrado seu messias. A estes eu lembro que Messias mesmo houve um só, que foi morto na cruz mas ressuscitou. Como comprova nossa experiência recente, assim como a história em geral, humanos apontados como “messias” tendem a se tornar grandes e catastróficas decepções.

O erro de Constantino

Conta-se que o imperador romano Constantino, no ano de 311, teve uma visão de que sob o símbolo cristão ele venceria sua campanha. Baseado nessa visão ele marchou seu exército através de um rio e os declarou batizados e, portanto, cristãos. Essa manobra pode ter convencido alguns, mas o próprio Constantino permaneceu pagão até seus últimos dias de vida. Poucos historiadores cristãos acreditam que ele tenha de fato se convertido.

Essa história nos traz a uma questão muito delicada. Ambos os candidatos na eleição deste último domingo têm tentado se passar por cristãos, mas claramente defendido valores contrários ao reino. É evidente que toda e qualquer tortura deve ser condenada, não importam quais crimes o torturado tenha cometido. É também verdade que, a partir de um ponto de vista cristão, qualquer proposta de legalização do aborto equivale a validar quase um genocídio e a afirmação de que esta é uma questão de saúde pública apenas muda o fórum do debate, não seu resultado. Se por um lado apologias são feitas ao preconceito, por outro, ataques diretos à família tradicional são propostos em documentos oficiais. Afirmo estas obviedades não para acirrar posições, mas para que tenhamos o devido cuidado de não repetir o barateamento do cristianismo repetindo o erro de Constantino.

Fui surpreendido por um número de cristãos por quem tenho apreço que se declaram como resistência... Como assim resistência?

No entanto, nesta segunda-feira fui surpreendido por um número de cristãos por quem tenho apreço que se declaram como resistência... Como assim resistência? Já estamos ocupados por um exército invasor? O inimigo já apresentou seus planos nefastos? Devo me unir a um dos movimentos de resistência? Fui investigar e rapidamente vejo que o termo foi lançado como tema da campanha de pelo menos dois partidos, o Partido Comunista do Brasil (PcdoB) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

Ainda sem entrar no mérito da escolha individual na hora da eleição, gostaria de convidar estes irmãos em Cristo, assim como todos nós cristãos que temem a Deus, a considerar em primeiro lugar a exortação da Palavra de Deus e só depois decidir se devemos ou não assumir bandeiras propostas por estes ou quaisquer outros partidos. Na verdade, o conhecido trecho de Romanos 12.2 deve servir de alerta a embarcarmos em um movimento proposto por partidos políticos. O trecho abaixo foi escrito pelo apóstolo Paulo em um contexto de um império cruel e opressivo, o qual era declaradamente dominador, classista, machista, racista e anticristão (curiosamente não homofóbico). O texto é Filipenses 1.27-30:

Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja, quer apenas ouça a seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica, sem de forma alguma deixar-se intimidar por aqueles que se opõem a vocês. Para eles isso é sinal de destruição, mas para vocês, de salvação, e isso da parte de Deus; pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele, já que estão passando pelo mesmo combate que me viram enfrentar e agora ouvem que ainda enfrento.

Alguns pontos são fundamentais para nossa reflexão. Há uma discussão sobre qual cidadania o apóstolo está se referindo no verso 27. Para alguns é a cidadania do céu e para outros a cidadania romana. Ainda que um debate relevante, eu gostaria de propor que, em última análise, a conclusão deve obrigatoriamente ser a mesma. Se por ser cidadão do céu eu me comporto de um modo digno em minha vida terrena ou se exerço minha cidadania nesta terra de modo digno do evangelho, o resultado me parece o mesmo. Nosso modo de viver a vida deve ser digno do evangelho de Cristo.

Ainda que possamos enxergar em um candidato traços que se alinham com o evangelho, minha lealdade precisa estar além destas impressões. 

Meu critério é o evangelho de Cristo. 

Qual a essência do evangelho? Em primeiro lugar, que há um Deus santo e perfeito, que é ao mesmo tempo amoroso e misericordioso. O evangelho inclui também obrigatoriamente o fato de que, como seres humanos, somos todos pecadores e que, exceto pela graça salvadora deste Deus, estamos condenados à perdição eterna. Por fim, o evangelho se baseia em um arrependimento que me faz reconhecer a santidade de Deus, minha necessidade e o amor divino manifesto no sacrifício de Cristo em meu lugar para que meus pecados fossem pagos, possibilitando que eu entrasse em comunhão com ele. Sem arrependimento, o evangelho continua apenas como uma possibilidade... Esse é nosso critério fundamental. Essa é nossa base. A partir desse ponto devemos viver nossa cidadania, exercer nossos direitos e nossos deveres.

No final do verso o apóstolo declara qual sua esperança para os cristãos de Filipos – que eles estejam firmes num só espírito. Estas últimas semanas tenho visto muito pouco disso. Com isso não estou dizendo que não se deve ter opiniões, mas o que deve nos unir e o que deve nos separar? Qual o espírito no qual devemos permanecer firmes? O apóstolo responde rapidamente esta pergunta: “... lutando unânimes pela fé evangélica”. Uma frase da “resistência” é que ninguém solte a mão de ninguém... Eu gosto da frase, é poética e inspiradora, mas preciso ter certeza de que estou de mão dadas com outros que defendem uma causa que realmente tenha impacto eterno. Caso contrário serei apenas um inocente útil, uma peça de manobra em partidos e movimentos que não resistem ao teste do tempo e do crivo cristão. Volte à descrição da essência do evangelho acima. É por isso que você declara resistência? Se é, me chame, pois quero estar lutando junto contigo pela fé no evangelho. Se não é esta sua bandeira, se não é esta sua causa, deixe-me recomendar extremo cuidado para que você não se deixe moldar por causas e argumentos deste mundo.

O tema de submissão é muito impopular em nossos dias, mas nem por isso menos bíblico ou relevante para aquele que teme a Deus.

O tema de submissão é muito impopular em nossos dias, mas nem por isso menos bíblico ou relevante para aquele que teme a Deus e que se apresenta como seguidor de Jesus. Muito embora uma consideração plena deste tema deva ser deixada como tarefa de outro artigo, quero refletir brevemente sobre o texto de Romanos 13.1-5:

Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se opondo contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser por aqueles que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas, se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto, é necessário que sejamos submissos às autoridades, não apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por questão de consciência.

Gostaria de destacar apenas alguns pontos sobre a submissão às autoridades: primeiro, autoridades são permitidas por Deus para nossa benção ou nossa disciplina. Segundo, quem se rebela contra uma autoridade de forma tácita (não importa o que ele faça, eu sou contra...) se rebela contra Deus! Isso não significa que não devemos nos levantar em nossa função profética e protestar contra atos ou programas injustos que este governo esteja propondo. Paulo sofreu por se levantar contra a idolatria do estado romano. Cuidado para que seja contra o que o governo está propondo e não apenas com aquilo que seus opositores políticos estão acusando. Terceiro, nossa submissão não deve ser apenas por medo das consequências, mas por um espírito quebrantado e submisso em primeiro lugar à Deus.

Por fim, uma outra palavra de Paulo deve nos guiar em nossa reação ao governo eleito. Trata-se 1Timóteo 2.1-4:

Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.

Quero destacar que nossa batalha em oração não terminou. Repare que a exortação não é uma batalha de cunho político contra um governante, mas uma batalha espiritual, por valores eternos. A seguir, o apóstolo afirma que uma vida tranquila e pacífica, com piedade e dignidade, é boa e agradável a Deus. O propósito de tudo isso é que todos cheguem ao conhecimento da verdade e à salvação. Essa é nossa resistência! Isso deveria nos unir, isso deveria nos consumir.

Minha sincera oração é, em primeiro lugar, que o próximo governo nos traga um período em que possamos viver em paz, tranquilos, em piedade e dignidade. Oro também para que você e eu possamos escolher com muito discernimento quais as causas e bandeiras pelas quais vale a pena lutar e quais são apenas manobras do mundo. Eu oro para que possamos fazer resistência, sim, mas aos ataques do inimigo em qualquer forma que estes surjam: por meio de projetos do governo, por meio de atitudes de grupos ímpios, por meio de movimentos da mídia ou qualquer outra forma. E que Cristo seja honrado por vivermos de maneira digna do evangelho.

Fonte:
Portal Chamada - Daniel Lima

Daniel Lima foi pastor de igreja local por mais de 25 anos. Formado em psicologia, mestre em educação cristã e doutorando em formação de líderes no Fuller Theological Seminary, EUA. Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida por 5 anos, é autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem 4 filhos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995.

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