Eu Vejo Você


Por Rubem Amorese em Ultimato Online

I see you — essa é a saudação usada pelos Na’Vi, no filme Avatar. Virou uma espécie de bordão popular. E me chamou muito a atenção.

Creio que o diretor do filme, James Cameron, quis inserir, numa simples saudação, algo que representasse uma necessidade geral, um anelo existencial de qualquer pessoa que estivesse sentado no cinema; admitisse ela ou não. O resultado seria mais um elemento de conexão entre a história e aquele que a ouve, ou assiste.

Hoje em dia é comum falar-se sobre o caráter epidêmico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). A criança se mostra desatenta, hiperativa, impulsiva, impaciente etc. Pesquisas recentes revelam que esse transtorno chega à vida adulta com força suficiente para “transtornar” a vida social, acadêmica e profissional de uma pessoa.

É curioso que Cameron tenha apontado, de modo quase imperceptível, outro lado dessa moeda. A expressão “Eu vejo você” me parece denunciar outro tipo de déficit de atenção: aquele decorrente da falta de atenção recebida.

Certamente, somos sensibilizados por essa saudação, quando ela atinge, lá dentro da alma, um anelo secreto: o de ser visto. Eventualmente, nem nos damos conta do fato de que ansiamos por atenção. Trata-se de uma sede da alma, que a faz suspirar, sem que saibamos por quê. Talvez ela suspire por amor e significado. Talvez ela anele ouvir: “tu és meu filho amado, em quem tenho prazer”.

Suponho que o lado mais importante do TDAH esteja nas suas causas. Dentre tantas apontadas, sugiro uma que não encontrei na literatura: o déficit de atenção dos pais. Não, não me refiro ao fator genético; esse é muito documentado. Penso na atenção que dispensamos aos nossos filhos; fonte de saúde mental, física e espiritual. Matéria para missão e sacerdócio.

A revista Veja de 21/5/2011 traz, em sua seção de saúde, matéria com o seguinte título: Déficit de atenção: 8 sinais aos quais os pais devem ficar atentos. É interessante notar que não se encontra, em todo o artigo, qualquer referência à correria da vida; às carreiras profissionais dos pais; a mortes, divórcios e separações; aos orfanatos e internatos etc. A razão é simples: está-se falando dos transtornos da criança, mas não da família.

Proponho, então, uma nova linha de pesquisa a pais, pedagogos, neurologistas e psicólogos. Para os cristãos, em particular: o TDAF: “transtorno de déficit de atenção familiar”, onde se buscariam sinais, sintomas, causas e soluções para a falta de atenção das famílias sobre as crianças. Posso prever que algum sacrifício (que eu chamaria de “serviço”) seria requerido, no capítulo das soluções.

Imagino que, como resultado, a igreja encontraria junto às crianças um renovado espaço de ministração e evangelização. A mudança seria, em muitos casos, tão sutil quanto o “nestes últimos tempos” de Hb 1: em lugar de mensagens enviadas à distância (física e afetiva), surgiriam novas ideias sobre como se comunicar com esse público tão importante; ideias que adviriam de uma renovada proximidade, entendido o gesto divino da encarnação (Hb 1: 1-3).

Poderíamos, então, apesar de tanta demanda por nossa atenção, saudar nossos filhos, dizendo a cada um, individualmente e em nome de Jesus: eu vejo você.

Publicado originalmente na revista O Evangelista de Crianças, da Aliança Pró Evangelização de Crianças – APEC, nº 230.

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