O Equilíbrio entre Carisma e Caráter - Série Carisma e Caráter [5]

Cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; e, de repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuosos, e encheu toda a casa em que estavam assentados (...) E perseveravam na doutrina dos apóstolos (At 2:1-2, 42)

Por Genilson Soares

Sempre houve diferentes compreensões quanto ao equilíbrio da espiritualidade cristã. A história da igreja é marcada por movimentos de santidade e de avivamento. Nos movimentos de santidade, havia gente que só valorizava o “caráter”, com o seguinte pensamento: a igreja espiritual é aquela que tem santidade. Nos movimentos de avivamento, havia gente que só enfatizava o “carisma”, crendo da seguinte forma: a igreja espiritual é aquela que tem entusiasmo. Como enxergamos esses dois tipos de visão espiritual? A igreja de hoje precisa de carisma ou de caráter? Posso responder enfaticamente que precisa dos dois!

Sim, na experiência da igreja o “carisma” não pode excluir o “caráter” nem o “caráter” excluir o “carisma”. Os dois devem ser cultivados equilibradamente em nossa espiritualidade. Podemos reconhecer isso analisando a festa de Pentecostes que produziu “carisma” (At 2:1-4), e seu efeito que produziu “caráter” (At 2:40-42).

I – CARISMAS NO PENTECOSTES

O evento do pentecostes envolveu aquelas pessoas numa experiência carismática (At 2:1-3). Podemos observar algumas características dessa experiência estabelecendo algumas reflexões práticas sobre a busca do carisma na igreja.

Primeiro: A experiência carismática bíblica não pode ser produzida por homens. Nas palavras de Lucas, o poder, o “carisma”, não veio dos homens. Ele diz que “de repente veio do céu” v2 este é um ponto fundamental que precisamos compreender: O carisma é algo que está nas mãos de Deus. Temos que o esperar vir “do céu”. Os homens não podem forjar poder espiritual na igreja. Agora, observe a expressão “de repente”. Ela quer dizer que o poder de Deus não pode ser pré datado, programado, pois a espiritualidade verdadeira está sob o controle de Deus, a ação do Espírito Santo é como o vento que “sopra onde quer” (Jo 3:8).

Segundo: A experiência carismática bíblica é uma experiência pessoal com o Deus pessoal. A Palavra diz: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo”. Não ficaram somente cheios de energia, de poder, de força, de alegria, de empolgação. Ficaram cheios do Espírito Santo: um ser pessoal! E, aqui, precisamos refletir sobre um grande problema da nossa vida espiritual, que é o seguinte: Muitas pessoas apenas querem “ver coisas”. Querem ver um pregador que pula, que grita, que chora, que valoriza o “eu”, que conta vantagens espirituais do seu ministério. Querem ver “louvor ungido”. Querem ver “milagres” a toda hora.

Acontece que “ver” é diferente de “experimentar”. O cre3nte em Jesus nunca terá experiências carismáticas com Deus só porque vê milagres na experiência dos outros. Judas, por exemplo, viu muitos milagres, mas traiu Jesus. Por isso, antes de querermos apenas ver ou ouvir experiências carismáticas na vida dos outros, precisamos ficar cheios da pessoa do Espírito.

Terceiro: A experiência carismática bíblica é uma experiência comunitária. O texto de Atos capitulo dois mostra que as línguas de fogo pousaram “sobre cada um deles” e, então, “todos ficaram cheios do Espírito Santo”. Observe que as expressões “todos” e “cada um” dizem muita coisa. Deus não quer se expressar espiritualmente apenas através de algumas pessoas, mas quer usar toda a igreja, porque todos somos sacerdotes. Às vezes queremos ter uma experiência carismática parecida com a de muitos homens e mulheres do Antigo testamento; esperamos que Deus, de repente, levante entre nós um novo Moisés, um Josué, uma Rute ou um profeta que seja cheio do Espírito Santo. Mas por que desejar que Deus use outras pessoas e não eu, se o Espírito Santo está à disposição de todos?

Quarto: A experiência carismática bíblica envolve manifestação de “carismas”, isto é, de dons espirituais. Os versículos três e quatro nos informam que ocorreu uma distribuição da graça de Deus que repousou sobre cada um em forma de línguas de fogo. No Antigo testamento, o povo, em geral, não experimentava o derramamento do Espírito, visto que a concessão de carismas se limitava a alguns lideres. Mas no Novo testamento, através da nova aliança feita por Cristo na cruz, o derramamento seria dispensado a todos, e os dons espirituais também. Agora, cada pessoa é capacitada, livremente, para servir ao próximo por meio dos carismas que recebe do Senhor.

Quinto: A experiência carismática bíblica é de natureza missionária. Raramente, nos damos conta disso, mas a distribuição de línguas foi um milagre transcultural ou missionário, pois as diferentes nacionalidades, ali presentes, ouviam, miraculosamente, as grandezas de Deus em suas próprias línguas. Jesus ensina que a finalidade do poder do espírito Santo ao descer sobre nós é esta: sermos transformados em Suas testemunhas. Podemos afirmar então, que o coração do Espírito Santo é missionário. Se a igreja dos primeiros tempos era marcada pela paixão missionária e pelo fervor evangelístico, nós, também, o devemos ser.

II – CARÁTER COMO EFEITO DO PENTECOSTES

Após o evento, a festa, veio o efeito do pentecostes. O livro de Atos mostra conversões e mudanças produzidas pela exposição de um sermão totalmente cristocêntrico, feito pelo apóstolo Pedro (At 2:1-47). Somos tentados a lembrar de Atos como um livro que descreve somente experiências carismáticas como línguas de fogo sobre os discípulos, coxos andando, demônios exorcizados, anjos socorrendo os apóstolos e até a sombra de Pedro transformada em instrumento de cura. Mas há um outro lado para ser verificado, veja: Atos não só registra muitas experiências carismáticas, mas também é impressionante a posição de destaque que os discursos teológicos ou doutrinários ocupam no texto. Era esse material bíblico que produzia consciência cristã, fazendo que os primeiros cristãos mudassem suas atitudes (caráter). Aproximadamente, dezenove palestras aparecem em Atos, ou seja, quase vinte e cinco por cento do conteúdo do livro tem a ver com ensino bíblico: oito são de Pedro (1, 2, 3 ,4 , 5, 10, 11 e 15), uma de Estevão, uma de Tiago (nos capítulos 7 e 15), nove de Paulo (cinco sermões nos capítulos 13, 14, 17, 20 e 28) e quatro discursos em sua própria defesa nos capítulos 22 a 36. Mais que isso, a autoridade espiritual era praticada com uma boa didática de ensino da Palavra e, assim, o trabalho dos apóstolos era autenticado por milagres, pois Lucas nos diz que “muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos” v.43. As duas ações atribuídas aos apóstolos (doutrina, v 42 e prodígios v 43) são profundamente reveladoras: mostram o equilíbrio que deve haver entre carisma e caráter. O poder de Deus sempre deve vir acompanhado de ensino da Palavra. Isso porque não há espiritualidade genuína sem Bíblia.

III – PROPOSTAS PARA QUE HAJA EQUILIBRIO ENTRE CARISMA E CARÁTER

Valorizar as experiências carismáticas e o ensino da Palavra – Por que, na Bíblia, aparecem pessoas fazendo grandes exposições da palavra de Deus? Porque não há vida espiritual sem Bíblia! Na igreja primitiva, existia a necessidade de desenvolver novas atitudes de santidade, de honestidade, de integridade, de generosidade nos novos convertidos ao cristianismo, ou seja, o carisma haveria de produzir caráter. Assim a experiência carismática da igreja apostólica foi seguida de orientação teológica, pois, “eles perseveravam na doutrina dos apóstolos”. Não estavam somente se deliciando com uma experiência do poder de Deus que os levasse a rejeitar o ensino teológico ou doutrinário.

Não pensavam que, devido ao fato de terem recebido o Espírito Santo, deveriam dispensar a habilidade dos mestres humanos, pois tinham discernimento espiritual para saber a importância do ensino na vida cristã. Com isso, a Bíblia nos dá a seguinte lição: Jesus salva. Mas também educa. “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-os para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tt 2:11).

Teologia e “carisma” não são incompatíveis. Pelo contrário, são interdependentes. O Espírito de Deus leva o povo a submeter-se à Palavra de Deus. Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja neotestamentária, no sentido de que ela estuda, vivencia o Novo testamento e se submete às suas instruções teológicas, que falam de “carisma” e de “caráter”, muitas vezes num mesmo contexto bíblico (Ef 4:1-32; Rm 12:1-22).

Utilizar os “carismas” e o ensino da Palavra de forma equilibrada na evangelização – A expansão missionária da nossa igreja deve ser acompanhada de conteúdo bíblico equilibrado. O problema não é só fazer a evangelização, mas, como fazê-la. Não precisamos de mais ação evangelística, mas de mais reflexão na hora de falar de Jesus. Quando a igreja adota uma estratégia evangelística pensando apenas nos resultados (uma espécie de vale tudo espiritual), consegue muitas decisões. É verdade, mas acaba estragando o seu testemunho por causa do caráter fragilizado da sua pregação. Conclusão: o novo convertido é mal nutrido espiritualmente e vai embora.

Tenhamos o discernimento de, na evangelização, não valorizarmos apenas as experiências carismáticas (libertações, renovações, decisões), que acontecem em nossos templos, mas, semelhantemente, valorizemos o testemunho que precisamos espalhar na sociedade (na escola, nos negócios, na família, no namoro). A ordem bíblica é que sejamos como astros e luzeiros no meio de uma geração eticamente corrompida e perversa (Fp 2:15; Cl 1:22; I Ts 3:13, 5:23; I Pe 3:15). Preguemos sobre a influência dos carismas mas, alicerçados no caráter.

Ter uma visão de espiritualidade integral – Aprendamos que “carisma” sem “caráter” tem um efeito danoso no testemunho da igreja. A igreja de Corinto, por exemplo, possuía todos os carismas, todavia, era imatura espiritual e moralmente (I Co 3:1, 5:1, 6:15, 8:1, 11:8). Não conseguia equilibrar “carisma” e “caráter” no seu dia-a-dia. Acreditavam que Deus só estava interessado nas coisas espirituais, olhando somente para a vida de trabalho na igreja, sem observar os negócios, a família, os estudos, as amizades, o namoro com o mesmo interesse. Quando há muito “carisma”, mas pouco “caráter”, vivemos uma espiritualidade sem limites éticos e “o nome de Deus é blasfemado” (Rm 2:24). O Espírito de Deus age também fora dos cultos. Os dons que Ele distribui devem ser utilizados em todas as esferas da vida.

Utilizar os “carismas” para as grandes mudanças pessoais e coletivas – As experiências carismáticas devem ser seguidas por profundas mudanças políticas, econômicas, sociais e morais dentro das igrejas e fora delas. Os carismas não devem levar a igreja à fuga da ética, mas ao enfrentamento da corrupção humana. A história da igreja cristã ajuda-nos a entender como isso pode ocorrer. João Calvino, considerado um homem carismático, atacou com veemência os juros extorsivos praticados sobre o povo pelo governo de Genebra. O grande avivalista Jonh Wesley lutou pelas causas sociais na Inglaterra, ao mesmo tempo que pregou influenciado pelos carismas do Espírito Santo. Finney, grande pregador do século XIX, pregou ardorosamente contra a escravidão nos Estados Unidos e foi reconhecido como o pregador mais carismático do seu país.

A igreja de hoje não pode correr alucinadamente apenas atrás de sinais e maravilhas para mostrar à sociedade, mas deve buscar e apresentar santidade ao mundo. Como filhos de Deus, não podemos cometer o erro de nos empolgar mais com o poder do Espírito e menos com o fruto do espírito (Gl 5:22-25).

CONCLUSÃO

A visão correta de espiritualidade nos mostra o “carisma” e o “caráter” como relacionalmente inseparáveis e necessários para uma vida cristã saudável. Na prática, essas duas realidades (carisma e caráter) são inseparáveis e não se trata de optar por um ou por outro. Em lugar de estarem em competição, o “carisma” e o “caráter” se fortalecem e se sustentam mutuamente. A opção por apenas um aspectos é reprovada por Deus, pois o evangelho do “carisma” é também, o evangelho do “caráter”.

Que o Senhor, portanto, use o “caráter” e o “carisma” para a salvação de muitos perdidos, e para a santificação e edificação da igreja, a fim de que ela seja sal e luz neste mundo tenebroso.

Que Deus nos abençoe!

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Fonte:
Texto de autoria do Pastor Genilson Soares reproduzido e adaptado para a série Carisma e Caráter no blog PCamaral

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