Cristianismo de Consumo



Por T.A. McMahom em The Berean Call

O que quero dizer com cristianismo de consumo? Em termos gerais, é qualquer tentativa de construir o Reino de Deus ou edificar o cristão individual (ou atrair o convertido potencial ao cristianismo) por meios e métodos que apelam à carne – ou seja, o coração enganoso e egoísta do homem. O começo de tal cristianismo consumista foi no jardim do Éden quando Satanás manipulou Eva para que desobedecesse a Deus, deixando que ela cresse, no entanto, que estava aperfeiçoando a si mesma (Gn 3.1-6).


Especificamente relacionado com o que está acontecendo hoje em dia, o cristianismo de consumo é um esforço para ajudar igrejas cristãs a crescerem em tamanho e a se tornarem eficientes através da aplicação de princípios comerciais, estratégias de marketing e conceitos de gerenciamento. Esse é o empreendimento mais popular do cristianismo atual, fato bastante estranho, até mesmo preocupante, para qualquer pessoa que tenha entendimento de “consumismo” e “cristianismo”. Por quê? Porque esses dois termos são antagônicos.

Consumismo, no senso de negócios, é um conceito baseado em satisfação do freguês, a qual é a chave para qualquer transação comercial de sucesso. O produto ou serviço oferecido deve ser ajustado aos desejos e necessidades expressas pelo freguês, ou não haverá lucro sustentável. O freguês sempre tem razão, porque onde não há freguês, não há lucro e, portanto, não há transação comercial.

Deus reina no cristianismo bíblico. A Sua revelação para a humanidade são “todas as coisas que conduzem à vida e à piedade” (2 Pe 1.3). Cristianismo bíblico é simplesmente tudo o que a humanidade necessita saber para ser reconciliada com Deus, para fazer a Sua vontade diariamente e para viver com Ele por toda a eternidade. Não é uma estratégia de marketing e, de fato, não tem nenhuma associação ao mundo de negócios e seus conceitos.

Qualquer tentativa de aperfeiçoar a prática do cristianismo bíblico através de princípios comerciais está, no melhor dos casos, adicionando metodologias fúteis à Palavra de Deus. No pior dos casos, tal tentativa rejeita a suficiência das Escrituras em favor das obras da carne, apaga o Espírito Santo e sujeita aqueles que assim procedem ao serviço do deus deste mundo, a serem enganados por ele e, finalmente, a se tornarem seus escravos. De qualquer modo, leva à destruição espiritual na igreja e tem conseqüências eternas.

O cristianismo de consumo está no centro do movimento de crescimento de igrejas e seu efeito letal pode ser encontrado em todas as denominações (também pseudo-cristãs). Muitas igrejas evangélicas têm se entregado de coração a uma estratégia de marketing designada primeiramente a atrair os perdidos, que são vistos como fregueses em potencial. À medida que os não-cristãos freqüentam os cultos e se misturam com os membros (novos e mais antigos), não se pode evitar que o conceito de consumismo se espalhe por toda a congregação. Inevitavelmente, isso afetará a pregação, a música, a Escola Bíblica, as programações, etc., o que, por sua vez, produzirá uma falta de profundidade através da igreja inteira.

Freqüentemente, as estratégias de marketing têm tido sucesso em adicionar números a uma congregação. Dezenas de milhares de pastores nos EUA e internacionalmente têm sido influenciados por ministérios altamente populares, colocando em prática metodologias de marketing usadas por eles, visando ganhar almas e aumentar o número de membros em suas igrejas.

Será essa a maneira bíblica de ganhar almas e efetivar o crescimento na igreja? Para alguns cristãos bíblicos a resposta é obviamente “não!”, mas para um número cada vez maior dos que proclamam ter a Bíblia como autoridade e fonte totalmente suficiente da verdade de Deus, esse “não!” tem mudado para “possivelmente... talvez...” ou “sejamos cuidadosos em não jogar fora o que é bom junto com o que não tem valor”. Vejamos, portanto, se há algo de valor a ser salvo em tudo isso.

O consumismo tem apoio nas Escrituras? Será que Deus formatou o Evangelho para gratificar os desejos mundanos da humanidade? Existem certas coisas na Bíblia que devem ser evitadas para que não assustem os que poderiam se converter? Será que a Palavra de Deus reflete uma preocupação de que as pessoas possam tomar outro rumo se as necessidades que sentem não forem saciadas? A Bíblia nos manda tornar a verdade mais aceitável ao oferecê-la aos perdidos de uma forma diluída ou usando entretenimento? Ainda se trata do Evangelho que salva quando a mensagem é alterada para agradar ao paladar dos não-cristãos? Se algum cristão acha que a resposta a essas perguntas é “sim”, creio que o pensamento do mundo já influenciou profundamente seu entendimento bíblico.

Certamente, os pastores é que deveriam saber melhor. No entanto, na maioria dos casos em que o consumismo afetou uma igreja, os pastores foram o instrumento em implementá-lo. Os pastores aos quais estou me referindo, e com os quais estou muito preocupado, são aqueles que se consideram bíblicos, que sinceramente querem ver almas salvas e que honestamente querem cumprir seu chamado e seu ministério de maneira agradável a Deus. Como pode tal pastor de ovelhas ser atraído para o cristianismo de consumo?

O processo freqüentemente se desenvolve de forma sutil. Imaginemos que um pastor ama os membros de sua igreja e quer que sejam felizes. Ele também quer que cresçam espiritualmente e está sempre procurando meios pelos quais novas ovelhas possam ser adicionadas ao rebanho. Quando conflitos acontecem e expectativas de crescimento não se realizam, as soluções são freqüentemente procuradas com outros que tiveram sucesso nesses aspectos. Os remédios recomendados quase sempre envolvem alguma forma de ajustamento.

Por exemplo, um conflito muito comum que existe hoje em dia é sobre os diferentes gostos em música, o qual é usualmente resolvido estabelecendo-se cultos separados – um com hinos tradicionais e outro com cânticos atuais. Como essa solução parece satisfazer a maioria dos membros, muitos pastores sentem-se encorajados a adicionar mais almas à sua igreja ao combinar a atração da música contemporânea com mensagens ao gosto do público (ou seja, atraentes e que não o façam sentir-se ameaçado), apresentadas num culto casual e conveniente de sábado à noite. Programas inovadores são, então, formulados para sustentar o interesse desses membros em potencial e para motivar os membros desinteressados e inativos, com ênfase particular em atividades de entretenimento para atrair jovens e mantê-los na congregação.

Alguns pastores têm me contado que, relutantemente, coletam idéias já usadas pelo mundo para que possam competir com ele, de maneira a alcançar os perdidos para salvá-los do mundo. Eles estão cientes da ironia desse método, mas argumentam que é o único jeito de não ter que ficar pregando para bancos vazios. A propósito, a pregação é freqüentemente diminuída e suplementada por visuais, produções musicais e teatrais.

Esse é um caminho que, embora pareça inofensivo a princípio, leva ao caminho largo do cristianismo de consumo. Apesar de simpatizarmos com pastores que se sentem compelidos (alguns até coagidos pela própria igreja) a descer até esse caminho, a verdade é que ele é pavimentado com meios-termos bíblicos e leva a um beco espiritual sem saída.

Essa metodologia para o crescimento da igreja não é algo novo na cristandade. Trata-se de uma forma crônica de fazer as coisas do jeito do homem ao invés de seguir o modo de Deus. O imperador Constantino, que viveu no século IV, ainda está para ser igualado em suas estratégias de sucesso para o “crescimento da igreja”. Ele professou ter se tornado cristão e induziu a metade do Império Romano a fazer o mesmo. Essa era de compromissos assumidos pelo imperador (que intitulou a si mesmo “Vigário de Cristo” e “Bispo dos Bispos”) de modo a atrair novos convertidos é caracterizada por Will Durant como um tempo em que “o mundo se converteu ao cristianismo”.[1] Outro historiador escreveu: “Ao invés de ser uma fonte de melhorias (em relação às perseguições que os cristãos sofriam antes), essa aliança (política) foi uma fonte de ‘maior perigo e tentação’... Enchendo as igrejas indiscriminadamente com pagãos... simplesmente acabou com as claras demarcações morais que separavam a ‘igreja’ do ‘mundo’.”[2]

Um milênio mais tarde, “Martim Lutero encontrou uma Roma pagã totalmente entregue ao dinheiro, à luxúria e a males semelhantes”, escreve Edwin Booth. Ele se “espantou e não conseguiu compreender o porquê disso”.[3] O grito de guerra da Reforma foi “Sola Scriptura!” e, apesar desse lema não ter sido seguido totalmente, a Palavra de Deus e Seu caminho foram restaurados como autoridade e regra de vida para milhares de pessoas enganadas pela acomodação devastadora que se abatera sobre a Igreja Católica Romana.

O cristianismo de consumo nunca foi uma prática de um lado só. É necessário que haja um ofertante e um receptor. Tetzel, um monge dominicano do século XVI, famoso vendedor de indulgências, foi um grande manipulador. Ainda assim, seu trabalho foi facilitado por “indulgir” a natureza egocêntrica dos seus fregueses católicos. Tanto ricos quanto pobres estavam dispostos a pagar qualquer coisa para evitar as chamas do inferno e o purgatório.

O protestantismo tem tido sua quota de exploradores espirituais e de consumidores a serem explorados. Da mesma maneira que a “campanha de levantamento de fundos” de Tetzel foi fundamental para a construção da Basílica de São Pedro em Roma, os evangelistas de “saúde e prosperidade” do século XX (muitos continuando do mesmo jeito atualmente) ajudaram a transformar a Trinity Broadcasting Network (canal de TV nos EUA) na maior rede televisiva religiosa do mundo. Distorcendo a doutrina bíblica da fé e tornando-a em uma força que qualquer pessoa pode usar para obter poder e cura, esses espertalhões ajuntaram fortunas às custas de pessoas biblicamente fracas e iletradas, como também daqueles cujo “deus... é o ventre, e a glória está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas” (Fp 3.19).

Durante os últimos quinze anos, os mais suscetíveis às maquinações de charlatães religiosos eram crentes professos que tinham mais afinidade com experiências do que com a sã doutrina. Eles se achavam usualmente entre os pentecostais e carismáticos. Crentes mais cuidadosos, cientes da doutrina, pareciam estar imunes a idéias como a da “semente de fé” de Oral Roberts, ou aos shows blasfemos de “poder do Espírito Santo” de Benny Hinn, dois líderes entre muitos que promovem a linha de “sinais e maravilhas”.

Contudo, a credulidade espiritual agora achou solo fértil – ou melhor, um charco profundo – entre aqueles que tradicionalmente se ativeram ao discernimento bíblico. Apesar das metodologias sedutoras serem um pouco diferentes, as bases para o engano espiritual efetivo são as mesmas: nenhum cristão, evangélico ou não, está imune a “tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, a soberba da vida...” (1 Jo 2.16). Além do mais, a única proteção contra tal engano – a leitura e a obediência à Palavra de Deus no poder do Espírito Santo – está sendo sistematicamente diluída por toda a igreja evangélica.

A História da Igreja tem demonstrado a necessidade de se aderir à Palavra de Deus e quando isto acontece o resultado pode ser visto em santidade e frutos. Quando o cristianismo bíblico é adulterado (por adicionar-se métodos de homens), ou completamente abandonado, as distorções religiosas dos homens prevalecem, levando a Igreja a uma cegueira e anemia espiritual: “Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Pv 14.12). Existe uma correlação entre o nível de apoio nas Escrituras que uma igreja demonstra e sua aceitação de práticas e crenças heréticas. À medida que uma igreja se esvazia de entendimento bíblico, a habilidade de seus membros de discernirem falsas doutrinas torna-se praticamente nula.

O efeito mais perigoso do cristianismo de consumo é o que ele faz da apresentação do Evangelho da Salvação, a única esperança que as pessoas têm de se reconciliar com Deus. No cristianismo de consumo ouve-se uma propaganda sutil, mostrando todas as coisas que Deus oferece à humanidade: “Ele nos ama tanto que deseja que passemos toda a Eternidade com Ele, a humanidade é muito importante e de valor infinito”. Isso torna-se a razão do sacrifício de Cristo na cruz. A essa mistura de verdades e distorções voltadas para o ego, adiciona-se uma breve “oração de conversão” que deve ser repetida por aqueles que foram persuadidos a aceitar a oferta sedutora. Esse método tornou-se tão comum que é até difícil para alguns cristãos reconhecerem que há algum problema com ele, sem falar em discernirem quão duvidoso é se as pessoas alcançadas foram realmente salvas.

Como? Comecemos por alguém que foi genuinamente salvo e vamos examinar a situação a partir daí. Qualquer pessoa que é nascida de novo pelo Espírito de Deus tem um coração novo, cheio de amor genuíno por Deus e pelos outros, como também pela Palavra. Ele ou ela é uma nova criatura e, ainda que não seja perfeita, dentro dela existe um coração que deseja agradar a Deus mais do que a si mesma.

Um exemplo específico é encontrado em Lucas 7.36-50, envolvendo uma mulher de má reputação que entrou na casa de Simão, o fariseu, por quem Jesus tinha sido convidado. Ela lavou os pés dEle com suas lágrimas, secou-os com os seus cabelos e beijou-os repetidamente. Jesus declarou que ela amou muito porque muito lhe fora perdoado.

Essa passagem nos mostra como é essencial a convicção de pecado quando alguém vem a Cristo. Os fariseus, cheios de si e virtuosos aos seus próprios olhos, tinham pouca ou nenhuma convicção de pecado, portanto, não procuravam perdão. A mulher, pelo contrário, não pensou em si mesma, ou no desprezo dos convidados daquele jantar. Sua gratidão a Jesus, por ter lavado os seus pecados, a compeliu a morrer para si mesma e a viver para Ele.

O evangelho de acordo com o cristianismo de consumo, por outro lado, tem que apelar para o ego, colocando a ênfase em coisas (verdadeiras ou distorcidas) que vêm ao encontro das necessidades expressas dos perdidos. Isso restringe seriamente quase todas as doutrinas bíblicas que possam trazer convicção de pecado. Qual é o problema? É que Jesus veio salvar os pecadores, não os consumidores.

Notas:

1. ‑Will Durant, The Story of Civilization (Simon and Schuster, 1950), Vol. III, 657.
2. ‑Peter Brown, Augustine of Hippo (University of California Press, 1967), 213.
3. ‑Edwin P. Booth, Martin Luther: the Great Reformer (Barbour Publishing, Inc., Urichsville, Ohio).


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