Entre o visível e o invisível


Por Ricardo Barbosa de Sousa em Revista Ultimato

A experiência cristã é vivida dentro de diferentes paradoxos. Por exemplo: por um lado, quando vemos a exuberância da natureza e testemunhamos gestos de justiça, bondade e misericórdia, reconhecemos a beleza do mundo e vemos nele a glória de Deus. Por outro, e ao mesmo tempo, vivemos num mundo terrivelmente feio, cheio de violência, injustiça e descaso para com a criação.


O apóstolo Paulo nos oferece uma estrutura espiritual para lidar com esses paradoxos. Ele sempre teve de enfrentar o lado sombrio e feio do mundo. Foi perseguido, açoitado, insultado, preso, mas não se deixou dominar por sentimentos de mágoa, revolta e desânimo. Diante das perplexidades do sofrimento, ele testemunha: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia” (2Co 4.16). Os problemas eram reais. Seu corpo sentia os desgastes do sofrimento. Porém, mesmo diante de uma realidade tão dura e cruel, ele não desanimava e não se deixava abater. Por quê? Aqui ele nos oferece a base dessa estrutura espiritual: “Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2Co 4.18). A base desta estrutura espiritual é a imaginação, que, inspirada por Deus, permite a visão das realidades não visíveis.

A vida cristã é vivida dentro de um mundo que é extraordinariamente belo e terrivelmente feio. O joio e o trigo encontram-se presentes no mesmo campo. A realidade visível da política, da economia, do mercado e da religião convive com a realidade não visível do reino de Deus e do governo de Cristo. A injustiça humana atua no mesmo espaço que a justiça divina. A Babilônia encontra-se no mesmo território da Nova Jerusalém. A prostituta e a noiva representam duas realidades distintas, mas no mesmo cenário.

O livro do Apocalipse é um destes textos que nos convidam à imaginação. De um lado encontramos o Império Romano com seu poder e brutalidade. No exílio, o poder de César está dizendo a João quem é que manda. Do outro lado, em sua visão na ilha de Patmos, João contempla o Cordeiro de Deus, o Leão da Tribo de Judá, em seu trono majestoso, que venceu e reina pelos séculos dos séculos.

A estrutura espiritual básica para viver a experiência cristã dentro dos diferentes paradoxos é prestar atenção nas realidades não visíveis. Esta é a atitude básica de Paulo quando escolhe prestar atenção “nas coisas que se não veem”. É a atitude básica de João quando ora e Deus lhe dá uma visão das realidades não visíveis do reino de Deus.

A linguagem bíblica é cheia de imagens. Em suas notas sobre “Vida de Oração”, de Teresa de Ávila, James Houston afirma: “As imagens são a linguagem da alma”. Elas afetam profundamente nossa experiência de oração e criam inúmeras possibilidades para a compreensão do amor, cuidado e justiça de Deus. Paulo vive num mundo dominado por poderes contrários ao reino de Deus. Porém, ele reconhece que o tesouro que carrega está em vasos de barro. O mundo em que Paulo vivia valorizava aquilo que era exterior. Paulo, o interior. O mundo prestava atenção no que era visível. Paulo, no invisível.

Como então encher o mundo com a glória de Deus? Jesus nos oferece uma pista: sal e luz. “Para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16b). Ser sal e luz é ser uma presença preservadora e reveladora no mundo. É isto que o sal e a luz fazem.

Fazemos isto criativamente quando usamos os dons, talentos e habilidades que Deus nos deu para contribuir com um mundo mais belo e harmonioso.

Fazemos isto quando, em vez de usar a criação para nossa vaidade, preservamo-la para o propósito do Criador.

Fazemos isto quando nossos relacionamentos tornam-se expressivos do amor altruísta e sacrificial de Deus pelo ser humano.

Fazemos isto quando contribuímos para que o mundo reconheça que Jesus é o Salvador e Senhor de toda a criação.


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