“Seja feita a tua vontade”




Por Ricardo Barbosa de Sousa em Revista Ultimato

Há uns anos, assisti a um documentário sobre os mosteiros no Brasil e me chamou atenção a conversa entre o repórter e um jovem monge. O repórter perguntou qual era a maior dificuldade que ele enfrentava no dia a dia dentro de um mosteiro. O jovem respondeu que não era o voto de castidade, como muitos pensavam, mas o voto de obediência.

Jesus nos ensina a suplicar dizendo: “Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”. Essa súplica implica o reconhecimento e a aceitação da revelação de Deus nas Escrituras, uma vez que a vontade de Deus é o conteúdo daquilo que nos foi revelado na Palavra dele. Não se trata de saber se é a vontade de Deus que eu faça este ou aquele curso, ou se devo mudar para esta ou para aquela cidade. Trata-se do conteúdo moral, ético e espiritual dos mandamentos e dos propósitos de Deus que constituem a norma de vida e conduta.

Quando oramos com essa súplica em mente, entramos num conflito entre a nossa velha e corrompida natureza, com suas vontades e caprichos, de um lado, e a vontade boa, perfeita e agradável de Deus, de outro. A aventura da oração é o longo caminho que nos leva a submeter a nossa vontade à de Deus. Nesse caminho, aprendemos a dizer sim para Deus e não para nós. É a aceitação de que Deus é quem tem a iniciativa para a nossa vida. É a abertura do coração e da mente para a entrada do céu na terra.

Quando oramos assim, em vez de virar as costas para o mundo, voltamos nosso rosto para ele. Essa oração nos ajuda a ver a vida com grande realismo. Aprendemos a olhar para o mundo e o ser humano como o Criador olha para eles. Sem essa oração, o que vemos é apenas um mosaico de desejos e escolhas de indivíduos voluntariosos e rebeldes. O pecado é a grande realidade que nos mantém cegos. Quando negamos o pecado, nós nos tornamos vítimas de um otimismo frágil, inconsistente e, muitas vezes, desesperador em relação ao ser humano, à sociedade e à vida.

Jesus certa vez disse: “Não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou”. Por que era tão decisivo para Jesus compreender e realizar a vontade do Pai? A resposta está na oração do jardim do Getsêmani: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero e sim como tu queres”. A vontade de Deus trouxe grande sofrimento e, finalmente, a morte ao Filho de Deus. Porém, a obediência dele realizou a libertação e a salvação de todo o que nele crer. Foi a vontade de Deus e a obediência do Filho de Deus que trouxeram ao mundo a grande verdade do propósito divino.

Santo Agostinho dizia que “Deus é como o médico: não atende aos desejos do doente; atende apenas às exigências da saúde”. Para ele, a vontade é a força por meio da qual se erra, ou se vive em retidão. Submeter-se à vontade de Deus é viver a partir da realidade do mundo de Deus, um mundo de justiça, verdade e amor.

Por isso, o jovem monge reconheceu que a obediência é a virtude mais difícil. Porém, é por meio dela que nos tornamos verdadeiros. Nas palavras de C. S. Lewis, “Só há duas espécies de pessoas no final: as que dizem a Deus: ‘Seja feita a tua vontade’, e aquelas a quem Deus diz: ‘A tua vontade seja feita’”.


Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de, entre outros, A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja.

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