Vidas dignas do evangelho




Por Mike Riccardi em Reforma 21 | Traduzido por Filipe Schulz

“Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo.” – Filipenses 1.27

Essa curta frase é o cerne da carta de Paulo aos Filipenses. A maior preocupação de Paulo em sua carta à igreja de Filipos é que eles alinhassem a prática de suas vidas à conformidade da posição deles como partilhantes do Evangelho de Cristo. Ao refletir nesse comando, duas implicações se tornam aparentes imediatamente.

Santificação é um fruto necessário da Justificação

A primeira implicação desse texto é que a santificação é um fruto necessário da justificação. Aquele que foi justificado pela graça por meio da fé em Cristo somente – aquele que foi declarado justo em sua posição perante Deus – irá crescer e progredir no que diz respeito à prática da justiça em sua vida. Isso é consistente com o testemunho do Novo Testamento, especialmente nas cartas de Paulo.
  • Após celebrar, por três capítulos, os maravilhosos privilégios da exaltada posição do cristão em Cristo, em Efésios 4.10 Paulo diz “Rogo-vos, pois” – isso é, visto que todos esses benefícios gloriosos são seus enquanto crentes em Cristo Jesus – “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados”.
  • Em 1 Tessalonicenses 2.12, Paulo explica que pacientemente exortou e instruiu os tessalonicenses “para viverdes por modo digno de Deus, que vos chama para o seu reino e glória”.
  • Ele diz aos colossenses que sempre ora para “que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus”
Está em toda parte. Simplesmente não há categoria para um crente em Cristo que também não seja um discípulo de Cristo – não há um que tenha recebido Cristo como Salvador mas não o obedeça como Senhor.

Pense nisso dessa forma: Jesus não sofreu a fúria desenfreada da ira santa – Ele não sofreu a alienação de Seu próprio Pai que ele nunca mereceu passar – para libertar Seu povo da penalidade do pecado apenas para que vivêssemos escravizados a vários pecados para o resto de nossas vidas. Não, Deus graciosamente nos uniu a Seu Filho pela fé para que pudéssemos ser libertos desse tipo de escravidão ao pecado.

De fato, “Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Romanos 6.2). Não podemos! A resposta de Paulo é que pessoas mortas não pecam: “Fomos, pois, sepultados com ele [Cristo] na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida”. Veja, nossa união com Cristo pela fé significa que quando Ele morreu, nós também morremos para o pecado com Ele. Portanto, quando Ele ressuscitou, também fomos ressurretos para a vida com Ele. Por quê? Para que pudéssemos continuar andando de acordo com o padrão desse mundo? Não! Para que “andemos nós em novidade de vida”. Para que vivamos, em nossa prática, de uma forma que manifeste a realidade da nossa posição.

Veja bem, isso não significa que estamos livres da presença do pecado. Novidade de vida não significa perfeição. Isso não vai ocorrer desse lado da eternidade (Filipenses 3.12-14). Mas há um mundo de “meio termo” entre perfeição sem pecado e escravidão à nossas paixões e desejos carnais. Paulo diz em Romanos 6 que fomos libertos da escravidão do pecado e nos tornamos escravos da justiça (Romanos 6.18). Assim, por causa daquilo que Cristo alcançou em nosso favor em sua obra do evangelho, porque fomos declarados justos à vista do próprio Deus santo, porque as cadeias do pecado e da morte foram destruídas pela graça de Deus na obra de Cristo, podemos andar em liberdade. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Não vivamos então como escravos.

A busca pela santidade na vida do crente não é opcional. Hebreus 12.14 nos diz que há uma santidade prática sem a qual ninguém verá o Senhor.

Santificação é impulsionada pela graça do Evangelho

Então como podemos enfrentar essa luta? Isso nos leva à uma segunda implicação: a santificação é impulsionada pela graça do Evangelho.

Note, Paulo poderia ter escolhido qualquer coisa para começar essa seção de exortações e comandos aos filipenses. Ele poderia ter começado anunciando uma lista de novos “isso pode” e “isso não pode” para que eles seguissem. Ele poderia ter prescrito uma lista de hábitos a serem quebrados e hábitos a serem formados, e apenas dito a eles “façam!”. Ele poderia ter dado a eles um programa em 12 passos ou criado um sistema de parceiros de prestação de contas. Ele poderia tê-los feito se sentirem culpados até tentarem pagar Deus de volta por sua salvação dizendo algo como “Bom, como Cristo já fez tanto por vocês, o mínimo que vocês poderiam fazer é viver por Ele”. Mas ele não diz nada disso. Ele baseia todas as suas exortações à santidade na graça do próprio evangelho.

Ele os chama a considerarem quem eles já são, em Cristo, em virtude de sua união com Ele e o que Ele alcançou em seu favor. Ele os chama a considerarem que Deus já mudou nossa identidade e nos deu uma nova natureza. Deus já nos libertou da penalidade e do poder do pecado. E é na liberdade dessa graça que nós somos chamados  a sermos então quem somos – a andar na novidade da vida ressurreta para a qual fomos ressurretos graciosamente com Cristo para vivermos – para alinharmos nossa prática com o que Deus já declarou que somos por meio de Seu Filho.

Devemos perceber, então, que a luta cristã pela santidade não é lutada apenas com os punhos da autonegação, em que você esforçadamente cumpre seu dever enquanto amaldiçoa Deus em seu coração porque odeia toda a diversão que está perdendo. Não, no nível mais fundamental, a força para a luta pela obediência fiel vem do próprio Evangelho. Está em nós considerarmos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus (Romanos 6.11) – em considerarmos nós mesmos sermos quem realmente somos, e então viver a verdade do que já foi conquistado em nosso favor. Quando entendemos isso, deixamos de enxergar os mandamentos de Deus como um fardo e os vemos como a resposta natural de alguém cujas afeições foram renovadas.

O puritano escocês Henry Scougal, em seu livro A vida de Deus na alma do homem, articulou isso muito bem. Ele diz:
“O amor de um homem piedoso para com Deus e com sua bondade não é tanto em virtude de um mandamento que o ordena a fazê-lo, mas por uma nova natureza que o instrui e o leva a tal; nem ele paga suas devoções como um imposto inevitável, apenas para aplacar a justiça Divina ou calar sua clamorosa consciência; mas tais exercícios religiosos são emanações apropriadas da vida Divina, os empenhos naturais da alma renascida”.
Veja, se a vida Divina foi plantada em você pela regeneração do seu coração pelo Espírito, a luta pela obediência é simplesmente o agir conforme sua nova natureza. Então quando Paulo nos ordena a viver nossas vidas de forma digna do Evangelho, ele está nos mostrando que nossos esforços para a santificação são impulsionados pela graça do Evangelho.

Há uma maravilhosa rima que magistralmente captura a beleza da graça divina na santificação. Não se sabe com certeza o autor, mas normalmente é atribuída a John Bunyan:
‘Corra, John, corra!’, a lei a ordenar
Mas pés nem mãos me quer entregar
Melhores notícias o Evangelho a anunciar:
Asas me provê e me ordena voar!
Não caia na armadilha de enfatizar um ou outro desses dois pilares em detrimento do outro. Não trate a busca pela santidade como se fosse um item opcional da vida cristã. Santificação é um fruto necessário da justificação. E em sua honesta busca por se parecer com Cristo, viva na liberdade do conhecimento de que a santificação é impulsionada pela graça do evangelho.


Reforma21.org | Original aqui

Nenhum comentário:

Todos os comentários serão moderados. Comentários com conteúdo fora do assunto ou do contexto, não serão publicados, assim como comentários ofensivos ao autor.

Tecnologia do Blogger.