Poço no deserto

Poço no deserto

[...] Na manhã seguinte, Abraão pegou alguns pães e uma vasilha de couro cheia d’água, entregou-os a Hagar e, tendo-os colocado nos ombros dela, despediu-a com o menino. Ela se pôs a caminho e ficou vagando pelo deserto de Berseba. Quando acabou a água da vasilha, ela deixou o menino debaixo de um arbusto e foi sentar-se perto dali, à distância de um tiro de flecha, porque pensou: "Não posso ver o menino morrer". Sentada ali perto, começou a chorar. Deus ouviu o choro do menino, e o anjo de Deus, do céu, chamou Hagar e lhe disse: "O que a aflige, Hagar? Não tenha medo; Deus ouviu o menino chorar, lá onde você o deixou. Levante o menino e tome-o pela mão, porque dele farei um grande povo". Então Deus lhe abriu os olhos, e ela viu uma fonte. Foi até lá, encheu de água a vasilha e deu de beber ao menino. Deus estava com o menino. Ele cresceu, viveu no deserto e tornou-se flecheiro. Vivia no deserto de Parã, e sua mãe conseguiu-lhe uma mulher da terra do Egito. (Gênesis? 21:14-21).

Esse episódio da novela da família do velho patriarca Abraão causa estranheza e espanto. Encontramos o retrato da vida real cheio de drama, sentimentos repreensíveis, atitudes incoerentes, relacionamentos rompidos. Diante de tudo isso, vamos destacar no texto o movimento dos olhos que refletem tudo o que se passa no universo interior.

Olhos que se fecham, se afastam e fogem em meio à adversidade.

Lemos no texto: 16a - E, afastando-se, foi sentar-se em frente, à distância de um tiro de arco, porque dizia: — Assim, não verei o menino morrer. Quando estamos diante de problemas insolúveis e pesados demais, é muito comum a atitude de escapismo. Essa tendência para fugir à realidade diante de situações difíceis ou desagradáveis que geram sofrimento faz com que abandonemos quem mais amamos no momento quando mais precisa de nossa presença, mesmo que seja para sofrer junto. Jacó fugiu de seu irmão Esaú após tê-lo enganado, Elias fugiu para a caverna por medo, Jonas fugiu de barco na direção oposta da sua missão. Tantos outros queriam desviar seu olhar do que deveriam enfrentar. Contudo, Deus não nos deu espírito de covardia, nem de negação, mas de poder, de amor e de moderação (2 Tm 1.7).

Olhos que choram diante da dor.

Lemos no texto: 16b - E, sentando-se em frente dele, levantou a voz e chorou. Mesmo tentando desviar seus olhos da dura realidade que enfrentava, seus olhos não suportaram e se romperam em erupção de lágrimas que vinham das entranhas de um coração em desespero e dor. Chorar é natural diante das situações que nos quebram e reflete esse quebrantamento. Reter as lágrimas é atitude estranha, artificial, incoerente, e reflete dureza de coração. Davi chorou intensamente em diversos momentos: ao despedir-se de seu amigo Jônatas (1 Sm 20.41): Logo que o rapaz se foi, David surgiu do lado sul, prostrou-se em terra e inclinou-se três vezes; eles se despediram, beijando um ao outro, e choraram, mas Davi chorou muito mais); ao saber que o povo tinha sido atacado e violentado (1 Sm 30.4): Então Davi e a tropa que o seguia choraram bem alto, até ficarem sem forças para chorar; quando Jônatas e Saul morreram (2 Sm 1.12); diante da doença de seu filho bebê (2 Sm 12.22-23). Seus olhos eram acostumados com as lágrimas, tanto que escreveu: Estou cansado do meu gemido; toda noite faço nadar em lágrimas a minha cama, inundo com elas o meu leito. Meus olhos estão consumidos pela mágoa, enfraquecidos por causa de todos os meus inimigos (Sl 6.6-7).

Olhos que são abertos diante do livramento.

Lemos no texto: Então Deus lhe abriu os olhos, e ela viu um poço de água. E, indo até o poço, encheu o odre de água, e deu de beber ao menino. O Senhor mostrou sua sensibilidade ao choro da mãe e à voz do menino, assim como lembrou-se da sua fidelidade ao ter prometido a Abraão que faria sua descendência poderosa na terra. É curioso que não há relato de que o Senhor fez sair água da rocha, nem dos céus. Diz o texto que os olhos de Hagar foram abertos para o poço que estava ali, em meio ao deserto. A provisão já estava lá. Apesar de parecer que Hagar estava, como diz o texto, andando sem rumo pelo deserto de Berseba, o Senhor estava guiando seus passos em todo o tempo na direção do poço. A partir dali, o relato é que Ismael cresceu no deserto, mesmo morando no deserto, tornando-se um flecheiro e casando, porque Deus estava com ele.

Quando Deus está conosco, existe poço no deserto. Vamos, pois, buscá-lo com todo o coração, deixando de desviar nossos olhos das lutas, apresentando-nos com olhos marejados diante daquele que pode nos salvar, até que nossos olhos sejam abertos para a provisão e cuidado que só o Senhor pode nos dar.

Fonte:
Instituto Jetro - Rodolfo Garcia Montosa

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