A Parábola do médico e do noivo

Jesus quebrou todas essas normas comendo com os desprezados coletores de impostos e pecadores.

Há uma relação vital entre a pergunta dos fariseus —”Por que o vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?”— e a dos discípulos de João —”Por que nós e os fariseus jejuamos, mas os teus discípulos não jejuam?”. Há uma convivência com pecadores que os confirma em seus pecados — e deve ser evitada. Há também a convivência com pecadores que os tira dos seus pecados — é esse o convívio aludido aqui que deve ser apreciado. Um íntimo caminhar com Deus resultaria em andar com os pecadores, a fim de ganhá-los para Deus.

E aconteceu que, estando ele em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores, e sentaram-se juntamente com Jesus e seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu nào vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento. Então, chegaram ao pé dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam? E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão.

Mateus 9:10-15

O fracasso da multiplicação das regras farisaicas era que quanto mais aumentavam, mais crescia o número dos que as negligenciavam, e aumentava a separação entre eles e os seus mais íntimos irmãos. Uma regra rigorosa não era apenas a de deixar de comer com eles, mas nem mesmo comprar daqueles que desprezavam as tradições.

Mas Jesus quebrou todas essas normas comendo com os desprezados coletores de impostos e pecadores. A grande festa de Mateus, da qual Jesus participava, sem dúvida era uma recepção de despedida dos velhos amigos e vizinhos, antes que ele assumisse o seu chamado como discípulo de Cristo. Como os publicanos eram tratados com desprezo e considerados pecadores, jamais os fariseus pensariam entrar na casa desses transgressores. Chocados, os fariseus perguntaram aos discípulos: “Por que come o vosso mestre com cobradores de impostos e pecadores?”. Jesus respondeu com uma joia do gênero: “Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes”. Lucas, por ser médico, dá um toque mais profissional à resposta do Mestre: “… os que estão com saúde…” (Lc 5:31).

Essa não foi a primeira vez que Jesus se referiu à sua obra redentora como o grande médico (Lc 4:23).

Aqui repreende os polêmicos fariseus, lembrando-lhes que as exigências por “misericórdia” eram mais elevadas que as das leis cerimoniais. Sarcasticamente, disse aos fariseus que não viera chamar os “justos” (como se achavam), mas os pecadores ao arrependimento. Os fariseus julgavam-se sãos; por isso, a missão de Cristo não era para eles. Como médico, seu lugar era junto aos necessitados. Porventura milhares de almas oprimidas e aflitas por causa do pecado não acharam consolo nas inigualáveis palavras de Cristo? Os “justos”, como aqueles miseráveis fariseus, satisfeitos com sua religiosidade, foram “embora vazios”.

Mas Jesus não foi censurado apenas pelos separatistas fariseus. Os discípulos de João também estavam perturbados com a associação dele com os pecadores. (João Batista, o austero apóstolo do deserto, evitava comer e beber em festas.)

Os seus seguidores, talvez influenciados pelos fariseus, perguntaram a Jesus: “Por que nós e os fariseus jejuamos, mas os teus discípulos não jejuam?”. Assim, o Mestre foi questionado por contrariar a maneira convencional de agir.

Ellicott observa que os seguidores de João Batista continuaram, durante o ministério de Cristo, a formar um corpo separado (Mt 11:2; 14:12). Obedeciam às regras ditadas por João, mais ou menos nos padrões dos fariseus. Mas não eram tão hipócritas quanto os fariseus; e não obtiveram, portanto, de Jesus as características respostas ásperas que ele dava aos fariseus. A ilustração da Parábola do noivo torna-se mais significativa quando relacionada ao testemunho de João Batista sobre Jesus como “noivo” (Jo 3:29). Ele disse ao povo que a chegada do Noivo seria a complementação de sua alegria. Não há repreensões aos discípulos de João, como aos fariseus, mas somente uma amorosa explicação.

O teor das palavras de Jesus faz supor que ele considerava a recepção na casa de Mateus uma festa nupcial em sentido espiritual, visto que celebrava a “união” de Mateus com Jesus. E não era mesmo o transformado coletor de impostos outro “casado com Cristo”? (Rm 7:3,4). A consumação dessas bodas dar-se-á quando se ouvir o grito: “Aí vem o noivo” (Mt 25:6; Ap 19:17). A presença de Cristo na festa e suas parábolas ilustrativas a esse respeito demonstram a ausência total das práticas ascéticas que os fariseus julgavam a essência da religião. O seu primeiro milagre contribuiu para a alegria da festa, no casamento em Cana (Jo 2). Ele usa aqui a figura de um casamento oriental, com cerimônias, regozijo e festividade, durante sete dias, para ilustrar a sua rejeição ao rigor farisaico do seu tempo. O insulto a seu respeito era que ele comia e bebia com pecadores (Lc 15:1).

Por filhos do aposento da Noiva devemos entender os convidados da festa. Mas os discípulos de Cristo eram ao mesmo tempo individualmente convidados para a festa e coletivamente formavam a ecclesia que se iniciava, ou a sua Noiva, a quem ele virá para tomar por esposa (Mt 22:2; Ef 5:25-27; Ap 19:7; 21:2). Ao aplicar a ilustração do Noivo a si, Cristo disse que a razão pela qual os seus discípulos não jejuavam era que ele estava com eles. Com Jesus no meio deles, de que outro modo estariam, senão muito felizes? Jesus, porém, lembrou aos seus que seria tomado deles, ou tirado e erguido, quando se referiu à morte, ressurreição e ascensão iminentes. Durante todo o tempo que os discípulos tinham a presença física do Mestre, todo medo e dúvida foram afugentados. Mas, depois do Calvário, ficaram tristes, como prova o episódio no caminho de Emaús (Lc 24:21).

Deixado sozinho, nesse mundo hostil, aquele primeiro grupo considerou o jejum natural e conveniente. Contudo, que triunfo teria! Mais tarde Jesus falou-lhes: “Vós agora, na verdade tendes tristeza, mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar”. É verdade que não temos a presença corpórea do nosso Noivo celestial conosco, para completar a nossa alegria, mas nem por isso está ausente, e isso não quer dizer que não venceu a morte. Não temos, afinal, a sua promessa real: “Não te deixarei, nem te desampararei” (Hb 13:5)? Não são necessárias práticas ascéticas para demonstrarmos a nossa lealdade a ele. Unidos a Cristo e amando-o, devemos procurar viver para ele, aguardando aquele bendito momento em que veremos o seu rosto como o nosso Noivo, e sentaremos com ele em suas bodas.

Fonte Consultada:
Universalidade da Bíblia
Todas as parábolas da Bíblia – Uma análise detalhada de todas as parábolas das Escrituras - Herbert Lockyer – Editora Vida

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