O evangelho que liberta!
A Carta aos Gálatas não é uma carta qualquer. Para que tenhamos uma ideia, sua leitura e compreensão foram decisivas para que a Reforma Protestante acontecesse. A carta ajudou Martinho Lutero a entender a doutrina da justificação pela fé e a salvação pela graça, que o fez romper com a Igreja Católica Romana. O pai da Reforma a considerava o melhor livro da Bíblia. [1]
O autor de Gálatas foi o apóstolo Paulo (cf. Gl 1:1, 5:2). A
carta “é uma defesa breve e poderosa do evangelho como Paulo o pregava”. [2]
Era, na verdade, uma carta circular, direcionada às igrejas da região da
Galácia, que foram plantadas por ele, nas cidades de Antioquia da Pisídia,
Icônio, Listra e Derbe. Essas igrejas, pouco tempo depois de serem plantadas, haviam
sido invadidas por falsos mestres, os judaizantes, que estavam pregando “outro
evangelho”, negando questões fundamentais da fé cristã.
Cremos que o mais provável é que Paulo tenha escrito Gálatas
após a primeira viagem missionária, quando plantou as igrejas na Galácia (cf.
At 13 e 14), e antes do Concílio de Jerusalém, descrito em Atos 15, quando se
refutou, definitivamente, a doutrina judaizante na igreja. Sendo assim, foi
escrita em 49 d.C., no intervalo entre as duas primeiras viagens missionárias, enquanto
Paulo esteve em Antioquia (cf. At 14:26-28). [3]
O propósito da Carta
O propósito de Paulo, ao escrever Gálatas, foi combater a
influência judaizante nas igrejas da Galácia. Tudo indica que os judaizantes
eram judeus que, antes, haviam sido fariseus e que, depois de aceitar a fé, queriam
implantar na igreja um sistema legalista, semelhante à proposta farisaica (cf.
At 15:5). Eles negavam a suficiência da graça para a salvação.
Diziam que, para alguém ser considerado um cristão de verdade,
não bastava crer no sacrifício de Cristo: era também necessário obedecer toda a
Lei de Moisés, principalmente, o que se refere à prática da circuncisão e à participação
nas festas judaicas, incluindo os sacrifícios de animais.
Os primeiros cristãos não conseguiram enxergar, logo de
cara, o perigo do pensamento judaizante. De acordo com Gundry, [4] muitos dos
primeiros cristãos, por serem judeus, em grande medida, continuaram a viver segundo
os moldes judaicos, circuncidando seus filhos, frequentando a sinagoga e o
templo, oferecendo holocaustos, observando os rituais de purificação e mantendo-se
socialmente afastados dos gentios. Mas com o passar dos dias, foram entendendo,
mais claramente, que a Nova Aliança em Cristo havia começado.
O que fez impulsionar essa mudança de entendimento foi a
chegada dos não judeus à igreja, especialmente, por intermédio do ministério de
Paulo. Contudo, os mestres judaizantes insistiam nas práticas da Antiga
Aliança. Diziam que, para os gentios serem “cristãos de verdade”, precisavam,
antes, tornar-se judeus. Insistiam na questão da circuncisão porque isso apontava
para uma identidade racial. Ao circuncidar-se, um homem tornava-se um judeu
prosélito, isto é, alguém convertido ao judaísmo. Assim, obrigava- se a cumprir
todos os deveres cerimoniais e obrigações civis do povo judeu. Em suma, para
uma pessoa ser considerada justa e ser aceita diante de Deus, precisava guardar
a lei cerimonial e cumprir a lei civil de Israel.
Falsos "irmãos" e perversão do evangelho
Paulo via esses judeus legalistas como “falsos irmãos”, que
estavam pervertendo o evangelho e perturbando a igreja de Cristo (Gl 1:7). Por
sua vez, eles o viam como uma ameaça as suas intenções. Assim, para afirmar suas
teses, procuravam minimizar a autoridade apostólica de Paulo, dizendo que ele
era inferior aos outros apóstolos, que o evangelho dele era incompleto e
diferente do que era pregado pelos apóstolos, em Jerusalém.
Diante disso, Paulo escreveu a carta para defender seu
apostolado, mas, sobretudo, para defender o evangelho de Cristo. Em Gálatas,
Paulo explica que os rituais da lei judaica e as tradições defendidas pelos fariseus
eram um jugo insuportável, comparado a uma escravidão. Os cristãos gálatas
haviam sido libertos pelo evangelho; contudo, estavam voltando àquela servidão.
É por isso que essa epístola paulina é chamada de “A Carta Magna da Liberdade
Cristã”. Por ser um manifesto de Paulo a respeito da justificação pela fé e da
liberdade que esta produz. [5]
A justificação pela fé
A justificação pela fé “é o ato pelo qual Deus declara justo
em Jesus Cristo o pecador que nele crê”.6 Em Gálatas, para acabar, de uma vez
por todas, com os argumentos judaizantes, Paulo explica que a justificação é sempre
pela fé, nunca pelas obras. Isso significa que ninguém pode gabar-se de seus
próprios atos, diante de Deus, dizendo-se justo ou plenamente fiel à lei. Dizer
que alguém é salvo ou justificado pela lei, como diziam os judaizantes,
equivale a dizer que este seja capaz, por força própria, de cumprir de forma
plena as exigências da lei. Isso é impossível. Somos salvos por causa dos
méritos de Cristo, não por causa de nossas obras.
Claro que a questão levantada pelos judaizantes era a
necessidade de observar as leis cerimonial e civil, para obter a salvação.
Todavia, ao tratar sobre a justificação pela fé, Paulo vai além, mostrando que
nem mesmo os preceitos da lei moral são capazes de nos salvar. Pensar diferente
disso é perverter o sentido e o propósito real da lei. Ela nunca teve e nunca terá
o papel de nos justificar ou nos salvar, no sentido de sermos aceitos diante de
Deus. O que nos salva é o sangue de Jesus. Então, qual é papel da lei? É
mostrar nosso pecado e nos conduzir a Cristo.
O fim da lei cerimonial e a eternidade da lei moral
Sabemos que as leis cerimonial e civil tiveram o seu fim na
da cruz; porém, a lei moral é eterna. Hoje, nós obedecemos a esta lei pelo
poder do Espírito Santo, não por nossa capacidade; não para sermos salvos, mas
porque já somos salvos. Paulo, ao escrever Gálatas, não é contra a lei de Deus,
pois a justificação pela fé não é uma liberação para o cristão viver em pecado
(cf. Gl 2:17). O que ele combate é o legalismo, ou seja, a crença de que é
possível a pessoa ser salva pelos próprios esforços, usando a lei como meio de
justificação.
Estudar Gálatas, nos ajudará a fortalecer e aprofundar nossa compreensão sobre a justificação pela fé e o evangelho da graça de Deus. Entenderemos melhor que não somos justificados pela lei, ou seja, não somos aceitos diante de Deus por nossas obras, mas por causa de Cristo.
Este conhecimento servirá como antídoto contra o legalismo e nos
desafiará a viver a nova vida em Cristo, pois a doutrina da salvação pela
graça não é uma abertura para a libertinagem ou para uma vida sem lei, mas,
sim, um convite à santidade por meio do Espírito Santo e seus frutos.
Pr. Alan Pereira Rocha
1. HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Gálatas. Tradução de Valter G. Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2009 - pag 11.
2. RICHARDS, Lawrence O. Comentário histórico-cultural do Novo Testamento. Tradução de Degmar Ribas Junior. Rio de Janeiro: CPAD, 2008 - pag 395.
3. WILKINSON, Bruce. Descobrindo a Bíblia. Tradução de Valter Graciano Martins. São Paulo: Candeia, 2000 - pag 425.
4. GUNDRY, Robert Horton. Panorama do Novo Testamento.
Tradução de João Marques Bentes. São Paulo: Vida Nova, 2008 - pag 430.
5. WILKINSON, Bruce. Descobrindo a Bíblia. Tradução de Valter Graciano Martins. São Paulo: Candeia, 2000 - pag 424.
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