Lições das chuvas no Rio de Janeiro

Pastor Antônio Carlos Costa


Se aprendermos as lições que este temporal quer nos ensinar, 2010 poderá ser lembrado como o ano do início da maior transformação social da história do Rio de Janeiro.

Políticos incompetentes matam. Tragédias naturais ocorrem. Porém, atribuir ao temporal desta semana, a causa das mortes que houve, é nos esquecermos que quem morreu foi pobre, que morava em área menosprezada pelo poder público. Centenas de famílias não estariam hoje enlutadas, se fôssemos governados por homens de verdadeiro espírito público e competentes.

Amar ao próximo é ter preocupação política. As demandas sociais de uma cidade grande são de tal magnitude, que -somente o braço do Estado para fazer com que seres humanos, na mais ampla extensão possível-, vivam com dignidade e em paz uns com os outros. Política é a arte de fazer com que homens coexistam em harmonia. É atividade nobre. Políticas públicas inteligentes salvam vidas. Como deixar de nos envolvermos com aquilo que é absolutamente fundamental para que vidas humanas sejam preservadas? Há comunidades pobres no Rio de Janeiro, que devido à extensão da miséria em que se encontram, não permitem chance de solução para os seus problemas, sem a presença do poder público.

É trágico viver em sociedade de cultura reativa em vez de proativa. Sempre agimos com base em acontecimentos que causam comoção popular, produzem catarse pública e que nos levam a fazer o que há muito teríamos feito se soubéssemos nos adiantar aos problemas. Isto está dentro de nós. É traço cultural. Pode ser vencido. Deixar pra fazer amanhã o que pode ser feito hoje, não é genético. Até quando só vamos aprender a botar tranca na porta depois de a porta ter sido arrombada?

A impunidade sempre estará presente onde linhas de responsabilidade não sejam bem definidas. Veja o caso da tragédia do morro do Bumba, em Niterói. Centenas de famílias vivendo sobre uma montanha de lixo. Estudos são feitos por uma universidade, apresentados ao poder público, dando conta da precariedade do local. O morro de lixo desaba. Centenas de pessoas são soterradas Ninguém é responsabilizado. Por que não vivemos em cidades onde cada rua, praça, bairro, estejam sob a responsabilidade específica de um agente do poder público?

A sociedade tem que acompanhar de perto os gastos públicos. O estado de miséria de favelas inteiras da região metropolitana do Rio de Janeiro, tornam absolutamente imorais certas obras que foram feitas diante dos nossos olhos, com dinheiro público, sem levarem em conta princípios de decisão política que atendam às reais necessidades do seres humanos. Nesse sentido -é inversão completa de valores-, construirmos as mais modernas arenas esportivas do mundo, enquanto homens e mulheres vivem em barracos em áreas de risco, com esgoto banhando a porta de sua casa, ratazana andando por cima do colchão da cama, crianças sem acesso à educação, carência de áreas de lazer, transporte público deficiente e domínio territorial armado de facções criminosas.

Vamos sonhar. Imagine como seria a vida do nosso Estado, caso esta semana de dor indescritível experimentada por muitos dos nossos conterrâneos, nos levasse a aplicar na vida, algumas das verdades que traz no seu bojo? Pense em como seria o nosso Estado se escolhêssemos com mais responsabilidade aquele que haverá de nos governar; acompanhássemos de perto as decisões tomadas pelo agente do poder público; exigíssemos metas, cronograma e planejamento para cada área de atuação do governo; cobrássemos que esferas de responsabilidade fossem definidas, e cada um de nós soubesse em que porta bater, na hora de apresentarmos a demanda da cidadania; determinássemos que cada centavo do dinheiro público, fosse gasto de acordo com a agenda imposta pelos direitos do homem e do cidadão.

Eu posso lhe dizer em que espécie de cidade viveríamos. Nunca mais um governante deixaria de assumir suas responsabilidades para imputar caos público ao pobre ou à natureza. Todo político temeria que o poder que lhe foi delegado, fosse retirado por uma sociedade politicamente atenta. A necessidade de demonstrar competência, no exercício da função pública, tornar-se-ia imperiosa, uma vez que, caso contrário, rua. O buraco na via pública ou a construção ilegal na encosta, poderiam dar cadeia para aquele que foi negligente na administração da coisa pública. Os recursos chegariam onde a necessidade é real e urgente. Em suma, todos viveríamos com melhor qualidade de vida e nunca mais veríamos um tragédia pública anunciada interromper tantas vidas humanas.

Pouparemos muito sofrimento a nós mesmos e deixaremos um Rio de Janeiro melhor para as próximas gerações, se não permitirmos que a Copa do Mundo que se aproxima, nos faça esquecer as lições que o temporal dessa semana quer nos ensinar.


Pastor Antônio Carlos Costa é Presidente do Rio de Paz - * e o homem que me discipulou... e a quem sou muito grato. :))) ) [* comentário Danilo Fernandes - Blog Genizah Virtual]

Obs. Foto tirada por ACC, na última terça-feira, na favela Mandela de Pedra, em Manguinhos.

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Fonte: Genizah Virtual - Divulgado PC@maral

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