Muito Caráter e Pouco Carisma - Série Carisma e Caráter [4]

Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus (Mt 22:29)

Por José Lima de Farias Filho

Assim como existem cristãos que valorizam mais o poder do Espírito, há os que valorizam mais o fruto do Espírito Santo, ou seja, acham mais importante o “caráter” e menos importante os “carismas”. A tendência dos crentes que dão mais ênfase aos dons espirituais é se acharem espiritualmente superiores aos que valorizam mais o caráter. E, a tendência destes é de se acharem mais corretos e santos que aqueles. As duas posturas estão erradas.

Os crentes que valorizam o “caráter”, em detrimento dos “carismas”, acabam se tornando crentes incapacitados espiritualmente porque se tornam auto-suficientes. Em geral, são pessoas secas, que vivem para se satisfazer em formalidades sem vida. Apegam-se a regras litúrgicas de forma exagerada porque, para elas, as atividades de culto precisam ser rigorosamente pré-determinadas e sem espaço para a espontaneidade ou para a criatividade do Espírito Santo.

Geralmente, valorizam mais as atividades com conteúdo intelectual profundo, mas que nem sempre falam ao coração. Acabam contribuindo para perpetuar sistemas que induzem os crentes a uma visão de igreja sem dons espirituais e sem os “carismas” do Espírito de Deus. Quando essa postura prevalece na igreja, ela passa a viver de aparência. E não existe coisa pior que uma igreja sem a manifestação dos “carismas” de Deus.

Na Bíblia Sagrada aprendemos que não é correto valorizar mais “caráter” e menos os “carismas” do Espírito Santo. A seguir, alguns exemplos de pessoas que agiam dessa forma e que nos servem de alertas importantes para a nossa fé.

I – POUCO CARÁTER E POUCO CARISMA ENTRE OS SADUCEUS

Os Saduceus eram um dos grupos religiosos do tempo em que Jesus viveu como homem nesta terra. Eram educados, intelectualizados, ricos e de boa posição na sociedade. Mas eram avessos às ações sobrenaturais de Deus. Eles não acreditavam na ressurreição, não criam no juízo final e, por isso, entendiam que tudo terminava com a morte física (Mt 22:22-33). Eles negavam que Deus poderia usar os anjos para realizar obras sobrenaturais na vida dos crentes, da mesma forma que negavam a existência de outros espíritos (maus) que atuam na vida dos incrédulos, (At 23:8).

Os Saduceus ensinavam que todas as ações do homem não sofrem nenhuma interferência de Deus e nem do diabo. Para eles, as ações humanas são, unicamente, frutos da vontade de cada pessoa. Dessa forma, compreendiam que o próprio homem é responsável pelas coisa boas que pratica e que os males que sofre são resultado de sua própria insensatez, já que Deus não intervém nos atos que a pessoa pratica; quer sejam bons, quer sejam maus.

Na verdade os Saduceus não se submetiam à Palavra de Deus como afirmavam, pois ela mostra Deus falando com as pessoas e intervindo de forma sobrenatural em suas vidas. Vejamos o exemplo de Moisés: “Apareceu-lhe o Anjo do Senhor numa chama de fogo, no meio de uma sarça; Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia” (Ex 3:2). O texto apresenta Deus agindo de forma a surpreender o homem com seus atos de poder. Agora, verifiquemos como Deus influencia nas ações dos seus servos: “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros” (Ex 3:14). O texto deixa claro que Moisés vai fazer não o que ele próprio deseja, mas o que Deus está ordenando.

Além de o Senhor intervir nas ações dos crentes, sabe como os incrédulos agirão e também intervém em suas vidas: “Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir senão for obrigado por mão forte” (Ex 3:19). Esses textos são suficientes para provar que Deus intervém na vida das pessoas com seu poder. Jesus disse que os Saduceus estavam errados em suas crenças porque não conheciam “as Escrituras e nem o poder de Deus” (Mt 22:29). Faltava-lhes honestidade (caráter) para assumirem as verdades da Escritura e humildade para crerem no poder de Deus (carismas), a fim de exercerem uma fé genuína. Em outras palavras, tinham pouco “caráter” e pouco “carisma”.

Hoje, os Saduceus nos fazem refletir sobre aquele tipo de crente que vai à igreja, que canta e ora, e que ouve a Palavra, mas que ao ver algo diferente acontecendo, começa a desconfiar, porque só consegue crer na atuação do Senhor Deus dentro daquilo que está pré-estabelecido na ordem natural do culto. Escandaliza-se ao ver alguém adorando a Deus de forma diferente. O crente que dá pouco valor aos “carismas” do Espírito Santo não se dispõe a crer nos atos sobrenaturais de Deus. Sente-se seguro em não ser “surpreendido” pelo Senhor. Tem sempre na ponta da língua, textos bíblicos para combater qualquer ação sobrenatural que julga não ser de Deus.

Falta-lhe nobreza para refletir sobre suas falsas crenças. Falta-lhe coragem para admitir que precisa deixar de crer apenas em partes da Bíblia e falta-lhe humildade para reconhecer que é uma pessoa espiritualmente pobre e totalmente dependente do poder de Deus.

II – MUITO CARÁTER E POUCO CARISMA EM ÉFESO

Éfeso era a principal cidade da Ásia, e, nela, localizava-se a igreja cristã mais importante de toda a província. Éfeso também era o centro de todos os tipos de práticas supersticiosas, e era conhecida no mundo inteiro por suas artes mágicas (At 19:19). Jesus chega para o pastor da igreja cristã dessa cidade e lhe diz: “Conheço as tuas obras, tanto o teu labor quanto a tua perseverança, e que não podes suportar homens maus, e que pusestes à prova os que a si mesmos se declararam apóstolos e não são, e os achastes mentirosos” (Ap 2:2).

Jesus conhece as obras dessa igreja, seu comportamento e toda a sua boa maneira de viver (bom caráter). Em que consistiam as boas obras dos efésios? Eles detestavam a falsidade e as mentiras dos falsos profetas. Paulo os havia avisado da seguinte forma: “Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles” (At 20:29-30).

Os efésios recusaram-se a participar das mentiras que os falsos mestres ensinavam porque tinham um padrão de caráter elevado. As suas boas obras eram visíveis a ponto de Jesus afirmar: “não podem suportar homens maus”. Eles odiavam as obras dos nicolaítas, que incentivavam os crentes a participarem de festas idólatras e a praticarem a prostituição (Ap 2:6). Recusavam-se a tolerar as obras más e os que eram falsos. Eles não acolhiam mentiras em sua comunidade. Eram determinados a manter o bom caráter enraizado entre eles.

Estamos diante de uma igreja que se destacava pela pureza doutrinária e pela santidade de vida. Entretanto, mesmo mantendo a doutrina sadia e um bom testemunho, a igreja cristã de Éfeso teve um sério problema em sua conduta cristã, a saber: seu alto nível de caráter não foi suficiente para evitar que ela abandonasse seu primeiro amor (Ap 2:4). Jesus havia ensinado que o amor mútuo deveria ser a marca que identificasse a comunhão dos cristãos: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns com os outros” (Jo 13:35).

Mas o ódio pelas mentiras levou os efésios a odiarem os mentirosos. Em vez de detestarem apenas as falsidades, eles detestavam também, os falsos mestres. A rigidez utilizada parta manter a pureza endureceu seus sentimentos a tal ponto que se esqueceram da virtude suprema que é o amor. A recomendação cristã para detestarmos o pecado e amarmos os pecadores foi desprezada pelos efésios. Talvez se achassem tão corretos que não precisavam mais dos “carismas” de Deus. Esqueceram-se de amar. Logo, esqueceram-se de Deus, porque só Deus é amor.

Não se ama sem Deus na vida, e se Deus não está presente, não há “carismas”. Com isso aprendemos que a pureza doutrinária e a santidade de vida não podem nunca excluir o amor cristão. Que nenhum filho de Deus cometa o erro de se achar tão correto em seus procedimentos, a ponto de crer que não precisa do poder de Deus em sua vida. Muito caráter e pouco carisma destroem a capacidade de amar.

III – MUITO CARÁTER E POUCO CARISMA NA IGREJA DE HOJE

A exemplo do desequilíbrio espiritual existente na igreja cristã de Éfeso, muitas igrejas de hoje são conhecidas por supervalorizar os procedimentos e a conduta correta (o que é uma virtude), ao mesmo tempo que se fecham para os “carismas” de Deus. Valorizando mais o caráter, tendem a ver com o fanáticos ou ignorantes os grupos que dão mais ênfase aos dons espirituais, chegando ao ponto de manifestarem sentimentos estranhos em relação a eles.

O excesso de zelo pelos procedimentos corretos destrói a capacidade de amar aqueles que são diferentes de nós, pois ter muito “caráter” e pouco “carisma” é a prova maior de que o primeiro amor foi abandonado. Muito “caráter” e pouco “carisma” produzem uma fé fria, gelada, sem sentimento, sem calor cristão. Não existe nada mais desanimador que entrar em uma igreja onde o excesso de formalidade é explicito. O “fazei tudo com decência e ordem” não deve ser confundido com “fazei tudo com formalidade”.

Nos cultos e ajuntamentos do povo de Deus, tudo deve ser feito para que as pessoas tenham aquele santo prazer de estar na presença do Senhor e de poder recebê-lo. Na Casa de Deus, seus servos precisam ter espaço para receber e desfrutar dos carismas que o Espírito Santo derrama sobre a igreja. O desejo correto de ter um bom caráter jamais deve substituir o desejo de receber o poder de Deus na vida. Em vez de nutrirmos a indiferença para com os dons espirituais, devemos permitir que a igreja seja contagiada pelos carismas do Espírito Santo, a fim de que ela seja a expressão viva do poder de Deus.

A igreja necessita de constante renovação espiritual. Isso porque onde não existem os carismas de Deus, as opções de uma nova vida, de uma nova motivação, de uma nova visão e compreensão da fé basicamente inexistem. Onde existe muito “caráter” e pouco “carisma” o ano termina e nada muda. Por quê? Porque a supervalorização dos procedimentos corretos sufoca a prática do amor (pois sempre haverá alguém errando) e impede o mover de Deus, que rejeita o bom caráter destituído de unção, de carismas, de amor e de vida.

Nunca abra mão de receber os carismas de Deus sobre sua vida. Saiba que: só com “caráter”, a Igreja não tem força para cumprir o seu papel de Agência de Salvação, nem para lutar contra o poder das trevas. Nossa vitória como povo de Deus, consiste em sermos cheios de “carismas” e de “caráter”.

Deus nos abençoe!

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Fonte: Texto de autoria do Pastor José Lima de Farias Filho reproduzido e adaptado para a série Carisma e Caráter no blog PCamaral

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