A conduta de Jacó e Raquel em Gênesis 31

Foi só pela misericórdia divina que Jacó pôde vencer a ira oriunda dos enganos que seu sogro Labão praticou contra ele, ao atirar-lhe a filha mais velha, em vez de dar-lhe Raquel, a quem ele amava,

(...) Na verdade, a evidência de que Deus abençoou a “mentira de Raquel” é improvável. Certamente, Raquel não viveu muito tempo depois desse episódio em Gileade, pois morreu ao dar à luz seu segundo filho, Benjamim (Gn 35.16-19). Isso significa que ela tivera mais uns poucos anos de vida depois de haver roubado (inutilmente, sem um propósito definido) os ídolos da casa de seu pais, os quais, com certeza, acabaram enterrados debaixo do carvalho, perto de Siquém, juntamente com os da própria casa de Jacó (v. 4). No que concerne à “conduta de Jacó”, Deus continuou a abençoá-lo, a despeito de seu procedimento ardiloso, porque o Senhor viu nele os traços de um verdadeiro homem de fé.

Foi só pela misericórdia divina que Jacó pôde vencer a ira oriunda dos enganos que seu sogro Labão praticou contra ele, ao atirar-lhe a filha mais velha, em vez de dar-lhe Raquel, a quem ele amava, como esposa (provavelmente ao embebedá-lo de tal modo que Jacó foi para a cama sem conseguir distinguir uma mulher da outra). Depois de quatorze anos, Labão ainda conservava seu genro sem lhe pagar um centavo, mas celebrou um acordo sobre salários, mediante o qual esperava explorar Jacó e mantê-lo para sempre na pobreza. Ele só permaneceria com Labão durante os seis ou sete anos seguintes. Por isso, disse a seu sogro, no encontro em Gileade: 

“Foi assim nos vinte anos em que fiquei em sua casa. Trabalhei para você catorze anos em troca de suas duas filhas e seis anos por seus rebanhos, e dez vezes você alterou o meu salário. Se o Deus de meu pai, o Deus de Abraão, o Temor de Isaque, não estivesse comigo, certamente você me despediria de mãos vazias” (Gn 31.41, 42). 

Jacó não estava simplesmente expressando seu ponto de vista. Gênesis 31.12 registra a declaração do anjo de Deus: “… tenho visto tudo o que Labão lhe fez”. Torna-se claro quando lemos os versículos seguintes que o método usado por Jacó — galhos de duas cores, descascados — a fim de induzir o nascimento de ovelhas malhadas, foi um artifício planejado e utilizado por Deus a fim de prover justiça nas negociações dos dois homens.

É verdade, pois, que nesse caso o espertalhão, Labão, saiu perdendo, pelas manobras de Jacó que, por fim, aprendeu a superar o sogro. Só assim poderia acumular riquezas e mudar-se para sua terra natal, a terra de seus pais, saindo de Padã-Arã para reinstalar-se na Palestina. A queixa de Labão de que Jacó agira mal ao deixar de contar-lhe que planejava ir-se embora, negando-lhe a oportunidade de oferecer ao genro e às filhas um banquete de despedida, dificilmente expressava suas verdadeiras pretensões. Ele alegou em voz alta que sempre tivera a melhor das intenções para com todos e que lhes teria propiciado uma despedida condigna, real, mas nenhum indício existe de que Labão agiria dessa forma.

Ao contrário, o filho de Isaque tinha boas razões para ter medo do sogro e manter sua partida em segredo, pelo que disse Jacó a Labão: “Tive medo, pois pensei que você tiraria suas filhas de mim à força.” (Gn 31.31). Não há razão para que duvidemos de que seu sogro não teria feito isso mesmo, visto que os versículos 1 e 2 deixam bem claro que Labão alimentava fortes suspeitas e hostilidades contra Jacó, por causa do incidente relacionado às ovelhas. Só por pura hipocrisia Labão declarou que teria feito uma grande festa de despedida. Resumindo, é verdade que Jacó nunca notificou seu sogro a respeito de seus planos de partir; nesse sentido, ele enganou Labão, o sírio, ao deixar de dizer-lhe que estava prestes a fugir.

No entanto, não aplicou uma mentira descarada ao seu sogro, segundo o registro das Escrituras Sagradas. E assim procedeu porque tinha certeza de que Labão jamais lhe permitiria partir voluntariamente. Pelo contrário, teria obrigado o genro a ficar, ainda que graves tensões e hostilidades tivessem surgido entre Jacó e os filhos de Labão, seus cunhados (Gn 31.1), tendo a atmosfera ficado tensa demais; o filho de Isaque não poderia ter permanecido ali em segurança e harmonia. Escamotear informações não é a mesma coisa que mentir. (É certo que Jesus não mentiu ao permanecer em silêncio diante de Herodes Antipas, em Jerusalém [Lc 23.9]. Nesse sentido, Cristo guardou para si mesmo informações que Herodes teria gostado de receber.) 

As circunstâncias incomuns ditaram a Jacó a sábia decisão de partir sem notificação prévia a seu sogro; de outra forma, ele jamais teria conseguido sair. Além disso, a promessa de Deus a Jacó em Gênesis 28.15 jamais se teria cumprido. Portanto, a resposta à pergunta “Como pôde Deus abençoar a conduta de Jacó?” é: “Porque o Senhor é justo e fiel a seus filhos, até mesmo aos que são menos que perfeitos”.


Fonte:
Universalidade da Bíblia
Enciclopédia de Temas Bíblicos - Respostas às principais dúvidas, dificuldades e “contradições” da bíblia | Gleason Archer - Editora : Vida – pgs: 90-91

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